21 anos em um dia

Artigo de Melissa Vasconcelos para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes

Por Melissa Vasconcelos

Na noite do dia 02 de março de 2025, a população brasileira abre o champanhe para receber o reconhecimento de milhares de degraus sobrepostos à construção da cultura brasileira. “Tem maçã, laranja e figo, banana, quem não comeu? Manga não, manga é o perigo, quem provou quase morreu”. Ora, Juca Chaves! Não haveria trilha sonora mais oportuna para discorrer acerca da premiação do Oscar da noite do domingo passado.

Para assistir à premiação, preparei a receita do suflê de queijo do livro de receitas da Eunice Paiva, em meio ao clima chuvoso da serra e aos ânimos carnavalescos de Ubajara à flor da pele. Se bem que, na minha cútis, o espírito de bloco e avanços do carnaval não pulsou muito bem esse ano. Porém, para o dia do Oscar, fazendo sol ou chuva, estando eu doce ou agridoce, deleitei-me a me concentrar em meu bom humor, pois não é sempre que se vê uma múltipla premiação – Cinema, História, Literatura, Direito – em uma só estatueta para a Arte Brasileira.

A receita do suflê de queijo foi retirada do próprio livro “Ainda Estou Aqui” , que originou o filme de igual nome. Logo pronto, servi-me com o suflê quentinho, para que não murchasse. A preparação do suflê foi um afago ao meu peito, como o restante do meu dia 02 de março assim esteve em suas horas anteriores – pela manhã, recebi uma bolsa que minha madrinha de batismo comprou de presente para meus trabalhos e estudos, e ganhei uma linda blusa verde de crochê de minha madrinha de crisma.

Os presentes, sejam de coisas ou de pessoas, precisam ser postos à mesa ao saírem de seus fornos, tal qual ao suflê de queijo, para que não murche. Todo amor, se não servido quente, murcha. O amor é como um suflê de queijo, fogoso e saudoso, bem servido para um dia de chuva. A você que lê, quando ganhares um suflê de queijo, não se demore a degustá-lo, para que não perca a chance de sentir a maciez de uma deglutição sem atrasos, de um paladar sem jogos.

Não oportunamente, a celebração do Oscar caiu no domingo de carnaval, o período do ano mais comemorado pelos brasileiros em suas diferentes facetas e formas de articulação. Dessa vez, estendeu-se às vantagens para festejar a Cultura Brasileira, a Literatura Brasileira, a formação política, a História, os Direitos do nosso torrão: Marcelo Rubens Paiva, filho da advogada de Direitos Humanos Eunice Paiva e do deputado federal Rubens Paiva, escreveu geniosamente a obra “Ainda Estou Aqui”, celebrada pelo prêmio Jabuti de Literatura em 2016, na âncora do mundo das Letras, e, agora, quase dez anos depois, adaptado para abrir luz aos olhos e música aos ouvidos – atentos e desatentos – da população brasileira e internacional, em sua adaptação cinematográfica dirigida por Walter Salles de mesmo nome “Ainda Estou Aqui”, com sua resplandecente premiação no Oscar.

Entre os anos de 1964 a 1985, parava a sociedade brasileira e se amortecem os juízos e os letrados para o abate dos corpos, o derrame de sangue, as bocas silenciadas, as famílias destruídas e as vidas subtraídas em favor de um regime sanguessuga. Não se abatiam somente as vidas dos deputados federais, defensores, escritores, médicos, músicos: retiravam-se as vidas dos filhos, dos pais, dos irmãos, do alicerce de famílias inteiras.

Quando Marcelo Rubens Paiva perdeu seu pai para a repressão ditatorial, tinha apenas 11 anos ao ver, em 1971, a vida de seu pai sendo reduzida como se subtrai de um número de uma conta de matemática, sem retorno de notícias, sem documentações; ao ver sua mãe em luta, tomando as rédeas de uma família de cinco filhos, perdendo o seu grande amor e companheiro em meio a enxurrada de sangue jorrado nos asfaltos da sociedade brasileira, à época.

Com certeza, a raiz da veia literária de Marcelo Rubens Paiva nasce da sensibilidade em meio a brutalidade – a manifestação artística de Marcelo por meio da escrita assemelha-se à floração do Mandacaru, sobrevivendo às secas em virtude da capacidade de reter água. As palavras de Rubens Paiva nasceram de socos no estômago, como se resgata da literatura lispectoriana, e de tantos socos e ferros ornamentados ao percorrer da estrada, transborda-se a retenção de palavras em arte resistente, em livro. A sensibilidade provém das rudezas, e a brutalidade provém da ausência de sensibilidade.

Por isso, toda a arte costuma desaguar das faltas, e toda a seca costuma advir dos excessos. A quem mais falta, mais nascem mais frutos, ainda que estes demorem a frutificar. Admiramos hoje punho de um escritor que denuncia, por meio de sua brutal sensibilidade e de sua sensibilidade brutal, o rasgo de inúmeras famílias destruídas, o grito sufocado de sua mãe, a dor de cinco filhos em desespero e desamparo.

Celebramos a força do cinema e da autenticidade brasileira, e mais do que nunca, lembramos da nossa história como primeiro suplente do juízo. O Oscar de melhor filme internacional para “Ainda Estou Aqui” é de Marcelo Rubens, de Eunice Paiva, de Walter Salles, de Fernanda Montenegro, de Fernanda Torres, de Selton Mello, é Nosso; sobre as nossas lutas, os nossos Direitos, as nossas conquistas, a nossa história, o nosso jeito de escrever, o nosso jeito de atuar, a nossa cultura plural: é para nos lembrar que ainda estamos aqui – não aos prantos, mas sorrindo, como símbolo de força, embate e resistência. Fomos para a bancada de jurados do Oscar o que um suflê de queijo quentinho é para os cinco sentidos dos corpos e um amor sem jogos é para o coração.

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Oirta Gomes Miranda

Oirta Gomes Miranda: Uma Vida de Fé, Dedicação e Visão à Frente de Seu Tempo

Por Marcelo Miranda Oirta Gomes Miranda foi uma figura notável, cujo legado é marcado por sua fé inabalável, dedicação incansável à família, um profundo senso de justiça social e uma visão singular que a colocava à frente de seu tempo. Ela é lembrada não apenas como uma mulher exemplar e um pilar para sua comunidade, mas como uma inspiração constante, cuja vida tocou profundamente a de muitos. Como exemplo e testemunho de sua profunda religiosidade, participou ativamente da construção da Capela Mãe Rainha, que, além de ser um marco de fé, tornou-se um ponto turístico em Ubajara. Primeiros Anos e Formação: Nascida e criada em um lar de princípios cristãos sólidos, Oirta desde cedo demonstrou uma forte ligação com a fé. Seus pais e avós lhe transmitiram valores como honestidade, trabalho duro e um amor profundo por Deus e pelo próximo, que se manifestaria intensamente em seu senso de justiça e em suas ações ao longo da vida. Essa base foi fundamental para moldar seu caráter e direcionar suas escolhas. Laços Familiares e Suporte Inestimável: Casada com Manoel Miranda, Oirta construiu uma família abençoada, dedicando-se incansavelmente ao bem-estar e à educação de seus filhos. Além de seu núcleo familiar, Oirta estendia seu suporte a outros membros da família. Quando Marlene Gonçalves Miranda, esposa de seu cunhado Florival Miranda (já falecido), mudou-se do Rio de Janeiro para Ubajara com sua família, Oirta foi um porto seguro. Ela não hesitou em oferecer um emprego a Marlene no FUNRURAL – órgão governamental que garantia a aposentadoria de agricultores do interior do estado –, demonstrando sua generosidade e seu compromisso em ajudar quem precisava. Seu senso de justiça e sua perspectiva positiva eram evidentes em suas interações. Uma anedota familiar ilustra seu apreço pela natureza e sua fé: certa vez, Marlene, recém-chegada do Rio de Janeiro e de outra cultura, ao ver o céu carregado de nuvens, exclamou: “O céu está feio!” Tia Oirta, com sua perspicácia característica, corrigiu-a imediatamente: “Bate na boca, Marlene, o CÉU ESTÁ LINDO PRA CHOVER!” Um Coração para Causas Sociais e Visão de Futuro: Oirta sempre esteve profundamente ligada às causas sociais. Seu senso de justiça, herdado de seus pais e avós, era uma virtude proeminente. Ela não apenas acreditava em um mundo melhor, mas agia para construí-lo. Sua visão abrangia desde o apoio individual, como no caso de Marlene, até projetos mais amplos para o desenvolvimento de sua região. Em uma conversa reveladora, seu irmão Gomes de Moura contou que, ao visitá-la, a encontrou debruçada sobre uma vasta quantidade de papéis, escrevendo intensamente. Ao perguntar o que fazia, Oirta respondeu: “Estou elaborando um projeto para uma faculdade em Ubajara!” Este projeto, embora não tenha sido adiante na época, mostrava sua profunda preocupação com o acesso à educação em um tempo em que o estudo era de difícil acesso na Serra da Ibiapaba, solidificando sua imagem como uma mulher genuinamente à frente de seu tempo. Preservadora da Memória e Inspiradora de Gerações: Além de sua busca por um futuro educacional para a região, Tia Oirta também demonstrou um firme propósito na preservação da história e da memória familiar. Ela dedicou-se a reunir, pesquisar e classificar os escritos de seu bisavô, Manoel Ferreira de Miranda, cujo trabalho ela publicou sob o pseudônimo de “EMMES”. Essa homenagem resultou na publicação do “Diário de um Velho”, um trabalho inspirador que deu continuidade à pesquisa sobre a família, assegurando que o legado de seu bisavô e o seu próprio vivessem. Testemunhos e Reconhecimento: As virtudes de Oirta Gomes Miranda são amplamente reconhecidas. Seu irmão, Gomes de Moura, exclamou todas as suas qualidades em textos dedicados à sua vida. Para aprofundar-se e validar esses escritos, o leitor pode consultar os seguintes links: Conclusão: A vida de Oirta Gomes Miranda foi uma tapeçaria rica, tecida com fios de fé, amor familiar, justiça social e um espírito inovador. Sua memória perdura não só nas palavras de seu irmão e na gratidão de sua família, mas também no impacto duradouro que ela teve naqueles que a conheceram. Ela foi, sem dúvida, uma mulher que viveu com propósito e abençoou a vida de muitos.

Artigo de Melissa

Perfeição

Por Melissa Vasconcelos Não gosto de me transformar em nada que eu não seja. Não gosto de me transformar em coisa nenhuma, pois nunca me mantenho em mim mesma. Sempre nos transformamos em nada do que pensamos, e tudo o que pensamos sobre nós, tripudia-nos como Judas tripudiou Jesus Cristo. Somos os Judas das nossas vidas, criando máscaras e filtros de definição, quando, na verdade, não sabemos quem somos. Os conceitos que já julguei sobre mim e outros foram trabalhos vãos, mudando como a água que nas cachoeiras. Em cada gole, descobrimos nuances inesperadas e desconhecidas das nossas profundidades ou superficialidades, não sendo bicho, nem fera: sendo humano. Significa assim dizer que não somos completos de modo algum, e que ainda que criemos conceitos ou fórmulas, a qualquer hora, nos auto decepcionaremos: somos frágeis, falhos e falsos. Frágeis por não haver consistência em nossos princípios, de modo que todos estão sujeitos ao erro. Falhos, porque, ainda que a casa esteja bem forjada e preparada, os erros são o constante ofício daquele que se arrisca a viver. Falsos, porque exigimos dos outros a perfeição e a fidelidade de ser que nem em nós mesmos se há a confiança de cumpri-lo. Assim, somos todos estúpidos: julgando uns aos outros até os dias das mortes e apontando dedos nos narizes alheios, sem enxergar os poros inflamados do nosso próprio nariz. O nunca só existe a quem não vive, e o sempre é a mentira daqueles que negam a morte. O mundo apodrece na própria carne. A carne morre na própria pena.

A ubajarense Lucivanda Fernandes lançou o livro Crescendo entre as Rosas. Cobertura de Monique Gomes para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes.

Ubajara celebra o lançamento do livro “Crescendo Entre as Rosas”

Por Monique Gomes Na última sexta-feira, 3 de outubro de 2025, o município de Ubajara, conhecido como um dos grandes berços culturais da Serra da Ibiapaba, foi palco de mais um marco literário: o lançamento do livro “Crescendo Entre as Rosas”, escrito pela empresária Lucivanda Fernandes. O evento reuniu familiares, amigos e admiradores da autora em uma tarde de celebração, emoção e inspiração. A cerimônia aconteceu no Espaço Aromas e Flores, empreendimento idealizado pela própria Lucivanda, localizado no bairro Monte Castelo. O local, que oferece experiências multissensoriais por meio de serviços de spa, massagem, perfumaria e cafeteria, foi o cenário perfeito para um encontro que uniu arte, empreendedorismo e sensibilidade. Lucivanda, que é CEO da Fazenda Santo Expedito e diretora da Rota Turística Mirantes da Ibiapaba, apresentou sua obra em formato intimista, cercada por mulheres que fazem parte de sua trajetória. O livro narra em primeira pessoa as vivências de uma mulher que transformou desafios em aprendizados e construiu um legado de fé, coragem e liderança no agronegócio, no turismo de experiência e na perfumaria artesanal. Em entrevista à Camile Mendes, a autora emocionou o público ao falar sobre o significado da obra: “Aqui tem relatos e histórias de quem cresceu estudando, teve muitas experiências, recomeços e espero que inspirem mulheres a recomeçar com o que já têm”, declarou Lucivanda. Com uma narrativa envolvente e inspiradora, “Crescendo Entre as Rosas” convida o leitor a refletir sobre o poder do propósito, a força dos recomeços e o florescer de cada mulher diante dos desafios da vida. “Foi uma noite marcada por emoção, cercada de mulheres incríveis que, em algum momento, cruzaram o meu caminho e deixaram sua marca. Muitas delas me inspiram até hoje… e é para elas e para todas as mulheres que escrevi estas páginas”, completou a autora. Ubajara, terra de grandes escritores e artistas, reafirma assim sua vocação cultural ao celebrar o talento e a sensibilidade de mais uma filha ilustre da cidade. Lucivanda Fernandes, com sua obra de estreia, faz um tributo à força feminina e ao espírito empreendedor da mulher ibiapabana.

Acadêmicos tomam posse na Academia Ubajarense de Letras e Artes

Academia Ubajarense de Letras e Artes realiza cerimônia de posse

Por Monique Gomes Na noite de 27 de agosto de 2025, a Academia Ubajarense de Letras e Artes (AULA) promoveu a cerimônia de posse de novos membros. O evento, realizado na Câmara de Vereadores de Ubajara, foi marcado pela presença de autoridades, homenagens e forte emoção entre os participantes e a plateia. A solenidade foi aberta pelo presidente da instituição, Nicollas Aguiar, e contou com a entrada dos postulantes, execução do Hino Nacional e leitura do histórico da Academia. Estiveram presentes personalidades como o Promotor de Justiça Dr. Marcos Vinicius, a Dra. Maiza Araújo, representando a magistratura, o senhor Humberto Ribeiro, a Dra. Priscila, representante da OAB, entre outras. Durante a cerimônia, cada acadêmico foi oficialmente empossado com a leitura da biografia de seus respectivos patronos, seguida da apresentação da própria trajetória e finalizada com a entrega do diploma. O momento foi marcado por discursos emocionados. Foram empossados: Em discurso comovente, Marcelo Miranda destacou: “Assumir a cadeira de número 3 da AULA é aceitar um legado. O patrono desta cadeira, Manoel Ferreira de Miranda, não foi apenas um homem de letras de Ubajara, foi também meu bisavô, a quem chamo de Pai Vô.” Após o juramento dos novos acadêmicos, a noite seguiu com o pré-lançamento do livro da acadêmica Ilma de Oliveira, a homenagem ao autor do Hino de Ubajara, José Maria Fernandes, e a execução do hino municipal com a participação de Marcelino Fernandes. A cerimônia foi marcada não apenas pela formalidade e solenidade, mas também pelo sentimento de pertencimento, orgulho e emoção que tomou conta da plateia e dos acadêmicos. Foi um verdadeiro marco cultural para Ubajara, fortalecendo ainda mais a missão da Academia em preservar e valorizar a literatura e as artes da região.

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