A Cegueira Humana

A cegueira humana, artigo de Manoel Miranda

Por Manoel Miranda

O texto a seguir foi escrito em 1915 por Manoel Miranda e é apresentado em sua redação original, sem alterações em sua linguagem, estilo ou ortografia. Essa escolha visa preservar as tradições históricas e literárias da obra, refletindo o contexto e a forma de expressão da época.

Paira agora sobre a humanidade uma como a maldição que a infelicita e endoidece. Parece que dos vastos páramos de ignoto se desencadeou nestes dias contra o terráqueo orbe um furacão violento e pestífero que o convulsiona e abala até os mais sólidos fundamentos.

A sociedade que, segundo o mais espontâneio vate da raça latina, Guerra Junqueiro, parece sofrer de escruphulas, hoje nos paroxismos de uma agonia enorme, commete loucuras e insânias não vistas, emquanto ao de cima, do comoro verdejante da Idéa nova, o philosopho-a sciencia objectivada, estuda-a e analysa-a serenamente, inda que por vezes cruze os braços desalentado; constrangido pela impossibilidade de superar as desgraças tamanhas.

Elle vê a humanidade na marcha acelerada para a ruína completa e conhece as causas essenciais das mazellas que afligem, mas infelizmente não acha meios de afastá-la do negro precipício. Sente-a submergir-se pouco a pouco no pavoroso inarnel do nirvana silencioso, e não póde estender-lhe a mão protetora que a impeça de cahir nem dar-lhe o apoio que a restituia ao coruscante sol do progresso e da paz mundial, ao sansara do trabalho que constitue a existência terrena.

Evoca então reminiscências pagãs, quando não havia de artificial mais que a tosca pedra mal lavrada como auxiliar do homem rudimentário, mas reinava a harmonia geral e a concórdia não tinha soluções de continuidade naquelas boas e primitivas gentes pharaonicas.

Remonta a esses dias obscuros do passado longinquo, quando a annosa arvore da civilização não chegara ainda a cobrir com a sua ramalhuda e farfalhante fronde magestosa as terras todas do Oriente e Ociente, e os homens lhe não buscavam a sombra deliciosamente confortável mas perigosamente intoxicadora. Vê, in mente, o seu desenvolvimento agigantado, acompanha-lhe o desdobramento do caule augusto, o renovamento das suas células vibratis, a coloração de sua folhagem imponentíssima, a opima frutificação de sua floração rescendente e multicor. Vê o cuidado do homem, no evoluir das idades, festejando-a e regando-o com carinhoso afecto, a cada fruto sazonado entoando hymnario apotheótico.

E mais tarde doces pomos que abundaram e que eram as admiráveis combinações da dhímica, as invenções assombradoras, a aplicação da eletricidade, o telégrafo, a Imprensa, o phonografo, e mais o cinema e o balão e ainda mais o radio, e os homens a se vangloriarem e se embevecerem no saborear de tão doces maçãs, olvidando a família e olvidando o amor, esquecidos de Deus e do futuro…

Porém, o institucionalismo de que se cercaram, necessários à índole impetuosa dos avoengos remotos, prende-os por fim ferreamente nos grilhões dos preconceitos fúteis, e mais os aperta na engranagem complicada que o oleo dos paragraphos lubrifica constante.

Neste circulo atróz que os não deixa moverem-se e coareta-lhes toda a liberdade de agir e raciocinar, têm os homens até dificuldades de respirar o por um hausto refrigerante de oxygenio vital degladiam-se e esphacelam-se em pugilatos tremendos, de todos os dias e de todos os instantes, no recesso do lar e na vastidão da praça pública, na aldeia mais pacata e na capital mais populosa. Por um sopro deste ar que é o metal sonante que lhes proporciona ephemeros prazeres e mesquinhas honrarias, viu o pensador dividirem-se os homens em facções distintas e os viu abrirem a luta que não mais terminou.

A arena onde se batem os gladiadores como feras na disputa da presa sangrenta, veiu de chamar-se política. De um lado e de outro, as hostes aguerridas e reciprocamente, mortalmente odiadas. A vasta família humana separada em dois partidos inimigos, entre os quais a barreira da diciplina se interpõe, se avoluma imensa, altiva parecendo dizer. Parae. Cada grupo reze com fervor o seu credo e a sua ladainha com muito mais fé do que se reza agora o Pater Noster do meigo Nazareno.

A imprensa, que foi o factor máximo do progresso e da instrução dos povos, desvirtuada nos seus fions, prostituída, às vezes, é a trompa altisonante que apregoa as cirtudes e as sudidades de ambas as aglomerações contendoras na razão directa do quadrato dos interesses alimentários e na inversa do mal que se deseja fazer.

Do alto da sua turris ebúrnea, onde se isolara com os raros reis adoradores da Arte, o pensador vê tudo isto com o coração contristado e lágrimas nos olhos. Chora por verificar o seu esforço perdido, nancia heroica e philantrophica de apaziguar os homens desvairados. Ante o estadio exauthematico agudo desta phase dolorosa de irritação extrema por que passa o organismo social entumecido da purulência das paixões descomedidas, utilisar-se não pôde o desgraçado asceta do linimento da Idéa.

De lá vê elle o desfilar em baixo desse cortejo espetaculoso de tyranos e chefetes imbuídos das mesmas velleidades do mando e invulnerabilidade de Achilles. O tyrano, do seu solio aurilavrado acenando às turbas escravisadas; o chefete, ignorante e fátuo, de sobrecenho terrososo, no seu rossinante escanifrado, com um largo gesto de D. Quixote maluco, conduzindo o eleitorado inconsciente pelas veredas do crime e do deboche, ao toque mágico de varinha de Panurgio. Em sua imaginação exercitada de psycologo, como em chassi de fidelíssima Kodac, gravam-se indelevelmente todas as cenas das miserias humanas, e lá se ficam numa galeria obumbrada que ele contempla a todo instante entrestecido.

Mas não desanima o visionário do Bem, o utopista da Paz, o doutrinador secular; a cada esforço perdido em prol da unificação das raças e do extermínio dos falsos, loucos, pueris preconceitos sociaes, mergulha os dedos descarnados nas mellenas grisalhas e aperta a fronte nas mãos murmurando consigo que nem tudo está perdido ainda.

Elle sonha com um dia venturoso em que, da amalgama de philosophias que há semeado evanescente, uma só, forte eterna, verdadeira e pura, surgirá a grande doutrina do Porvir bendita. Sonha… E o propagador dessa doutrina sacrossanta e nova – ella nol-o diz convenvido – bello na sua aureola de graça e de mansuetude divina, será como um novo Christo dos céus enviado à humanidade corrupta senão o próprio Messisas sublime que há mil e tantos anos se dignara vir a ter cá, quando não havia tanto Pilato de borla e tanto César caricato, nem se julgava o homem dominador das águas e do fogo, do tempo e do espaço, mas velhos reis orientaes, barbudos, cavalgavam pachorrentalmente morosos dromedários corcovados e as belas filhas de Israel dormiam profundamente o calmo sonno da inocencia antiga às portas sem taramela das suas choças humildes.

Para esta gravíssima doença moral do homem hodierno, na verdade, cego pelo excesso de luz do século passado, só o elixir da palavra viva de Jesus evangelizadora e forte. Porque se elle não aparece, e logo, a sustar a humanidade na sua carreira desordenada de despenhadeiro abaixo, então é que o tal dia de juíso não tarda, e só nos resta, aprecatarmo-nos com o nosso frak mais novo e a nossa gravata mais chic, para assistirmos ao grande julgamento final, onde tanta surpresa nos espera, vendo os que pensávamos serem bons, serem máos e máos os que pensávamos serem bons.

Quantum mutatus abillo, santo Deus, veremos, neste jury final, voz por Juiz.

Por Manoel Miranda, 1915, texto publicado no livro Memórias de Manoel Ferreira de Miranda, O EMES.

Siga o canal da Academia no WhatsApp e ative as notificações para receber novidades no seu celular.

Leia também:

Oirta Gomes Miranda

Oirta Gomes Miranda: Uma Vida de Fé, Dedicação e Visão à Frente de Seu Tempo

Por Marcelo Miranda Oirta Gomes Miranda foi uma figura notável, cujo legado é marcado por sua fé inabalável, dedicação incansável à família, um profundo senso de justiça social e uma visão singular que a colocava à frente de seu tempo. Ela é lembrada não apenas como uma mulher exemplar e um pilar para sua comunidade, mas como uma inspiração constante, cuja vida tocou profundamente a de muitos. Como exemplo e testemunho de sua profunda religiosidade, participou ativamente da construção da Capela Mãe Rainha, que, além de ser um marco de fé, tornou-se um ponto turístico em Ubajara. Primeiros Anos e Formação: Nascida e criada em um lar de princípios cristãos sólidos, Oirta desde cedo demonstrou uma forte ligação com a fé. Seus pais e avós lhe transmitiram valores como honestidade, trabalho duro e um amor profundo por Deus e pelo próximo, que se manifestaria intensamente em seu senso de justiça e em suas ações ao longo da vida. Essa base foi fundamental para moldar seu caráter e direcionar suas escolhas. Laços Familiares e Suporte Inestimável: Casada com Manoel Miranda, Oirta construiu uma família abençoada, dedicando-se incansavelmente ao bem-estar e à educação de seus filhos. Além de seu núcleo familiar, Oirta estendia seu suporte a outros membros da família. Quando Marlene Gonçalves Miranda, esposa de seu cunhado Florival Miranda (já falecido), mudou-se do Rio de Janeiro para Ubajara com sua família, Oirta foi um porto seguro. Ela não hesitou em oferecer um emprego a Marlene no FUNRURAL – órgão governamental que garantia a aposentadoria de agricultores do interior do estado –, demonstrando sua generosidade e seu compromisso em ajudar quem precisava. Seu senso de justiça e sua perspectiva positiva eram evidentes em suas interações. Uma anedota familiar ilustra seu apreço pela natureza e sua fé: certa vez, Marlene, recém-chegada do Rio de Janeiro e de outra cultura, ao ver o céu carregado de nuvens, exclamou: “O céu está feio!” Tia Oirta, com sua perspicácia característica, corrigiu-a imediatamente: “Bate na boca, Marlene, o CÉU ESTÁ LINDO PRA CHOVER!” Um Coração para Causas Sociais e Visão de Futuro: Oirta sempre esteve profundamente ligada às causas sociais. Seu senso de justiça, herdado de seus pais e avós, era uma virtude proeminente. Ela não apenas acreditava em um mundo melhor, mas agia para construí-lo. Sua visão abrangia desde o apoio individual, como no caso de Marlene, até projetos mais amplos para o desenvolvimento de sua região. Em uma conversa reveladora, seu irmão Gomes de Moura contou que, ao visitá-la, a encontrou debruçada sobre uma vasta quantidade de papéis, escrevendo intensamente. Ao perguntar o que fazia, Oirta respondeu: “Estou elaborando um projeto para uma faculdade em Ubajara!” Este projeto, embora não tenha sido adiante na época, mostrava sua profunda preocupação com o acesso à educação em um tempo em que o estudo era de difícil acesso na Serra da Ibiapaba, solidificando sua imagem como uma mulher genuinamente à frente de seu tempo. Preservadora da Memória e Inspiradora de Gerações: Além de sua busca por um futuro educacional para a região, Tia Oirta também demonstrou um firme propósito na preservação da história e da memória familiar. Ela dedicou-se a reunir, pesquisar e classificar os escritos de seu bisavô, Manoel Ferreira de Miranda, cujo trabalho ela publicou sob o pseudônimo de “EMMES”. Essa homenagem resultou na publicação do “Diário de um Velho”, um trabalho inspirador que deu continuidade à pesquisa sobre a família, assegurando que o legado de seu bisavô e o seu próprio vivessem. Testemunhos e Reconhecimento: As virtudes de Oirta Gomes Miranda são amplamente reconhecidas. Seu irmão, Gomes de Moura, exclamou todas as suas qualidades em textos dedicados à sua vida. Para aprofundar-se e validar esses escritos, o leitor pode consultar os seguintes links: Conclusão: A vida de Oirta Gomes Miranda foi uma tapeçaria rica, tecida com fios de fé, amor familiar, justiça social e um espírito inovador. Sua memória perdura não só nas palavras de seu irmão e na gratidão de sua família, mas também no impacto duradouro que ela teve naqueles que a conheceram. Ela foi, sem dúvida, uma mulher que viveu com propósito e abençoou a vida de muitos.

Artigo de Melissa

Perfeição

Por Melissa Vasconcelos Não gosto de me transformar em nada que eu não seja. Não gosto de me transformar em coisa nenhuma, pois nunca me mantenho em mim mesma. Sempre nos transformamos em nada do que pensamos, e tudo o que pensamos sobre nós, tripudia-nos como Judas tripudiou Jesus Cristo. Somos os Judas das nossas vidas, criando máscaras e filtros de definição, quando, na verdade, não sabemos quem somos. Os conceitos que já julguei sobre mim e outros foram trabalhos vãos, mudando como a água que nas cachoeiras. Em cada gole, descobrimos nuances inesperadas e desconhecidas das nossas profundidades ou superficialidades, não sendo bicho, nem fera: sendo humano. Significa assim dizer que não somos completos de modo algum, e que ainda que criemos conceitos ou fórmulas, a qualquer hora, nos auto decepcionaremos: somos frágeis, falhos e falsos. Frágeis por não haver consistência em nossos princípios, de modo que todos estão sujeitos ao erro. Falhos, porque, ainda que a casa esteja bem forjada e preparada, os erros são o constante ofício daquele que se arrisca a viver. Falsos, porque exigimos dos outros a perfeição e a fidelidade de ser que nem em nós mesmos se há a confiança de cumpri-lo. Assim, somos todos estúpidos: julgando uns aos outros até os dias das mortes e apontando dedos nos narizes alheios, sem enxergar os poros inflamados do nosso próprio nariz. O nunca só existe a quem não vive, e o sempre é a mentira daqueles que negam a morte. O mundo apodrece na própria carne. A carne morre na própria pena.

A ubajarense Lucivanda Fernandes lançou o livro Crescendo entre as Rosas. Cobertura de Monique Gomes para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes.

Ubajara celebra o lançamento do livro “Crescendo Entre as Rosas”

Por Monique Gomes Na última sexta-feira, 3 de outubro de 2025, o município de Ubajara, conhecido como um dos grandes berços culturais da Serra da Ibiapaba, foi palco de mais um marco literário: o lançamento do livro “Crescendo Entre as Rosas”, escrito pela empresária Lucivanda Fernandes. O evento reuniu familiares, amigos e admiradores da autora em uma tarde de celebração, emoção e inspiração. A cerimônia aconteceu no Espaço Aromas e Flores, empreendimento idealizado pela própria Lucivanda, localizado no bairro Monte Castelo. O local, que oferece experiências multissensoriais por meio de serviços de spa, massagem, perfumaria e cafeteria, foi o cenário perfeito para um encontro que uniu arte, empreendedorismo e sensibilidade. Lucivanda, que é CEO da Fazenda Santo Expedito e diretora da Rota Turística Mirantes da Ibiapaba, apresentou sua obra em formato intimista, cercada por mulheres que fazem parte de sua trajetória. O livro narra em primeira pessoa as vivências de uma mulher que transformou desafios em aprendizados e construiu um legado de fé, coragem e liderança no agronegócio, no turismo de experiência e na perfumaria artesanal. Em entrevista à Camile Mendes, a autora emocionou o público ao falar sobre o significado da obra: “Aqui tem relatos e histórias de quem cresceu estudando, teve muitas experiências, recomeços e espero que inspirem mulheres a recomeçar com o que já têm”, declarou Lucivanda. Com uma narrativa envolvente e inspiradora, “Crescendo Entre as Rosas” convida o leitor a refletir sobre o poder do propósito, a força dos recomeços e o florescer de cada mulher diante dos desafios da vida. “Foi uma noite marcada por emoção, cercada de mulheres incríveis que, em algum momento, cruzaram o meu caminho e deixaram sua marca. Muitas delas me inspiram até hoje… e é para elas e para todas as mulheres que escrevi estas páginas”, completou a autora. Ubajara, terra de grandes escritores e artistas, reafirma assim sua vocação cultural ao celebrar o talento e a sensibilidade de mais uma filha ilustre da cidade. Lucivanda Fernandes, com sua obra de estreia, faz um tributo à força feminina e ao espírito empreendedor da mulher ibiapabana.

Acadêmicos tomam posse na Academia Ubajarense de Letras e Artes

Academia Ubajarense de Letras e Artes realiza cerimônia de posse

Por Monique Gomes Na noite de 27 de agosto de 2025, a Academia Ubajarense de Letras e Artes (AULA) promoveu a cerimônia de posse de novos membros. O evento, realizado na Câmara de Vereadores de Ubajara, foi marcado pela presença de autoridades, homenagens e forte emoção entre os participantes e a plateia. A solenidade foi aberta pelo presidente da instituição, Nicollas Aguiar, e contou com a entrada dos postulantes, execução do Hino Nacional e leitura do histórico da Academia. Estiveram presentes personalidades como o Promotor de Justiça Dr. Marcos Vinicius, a Dra. Maiza Araújo, representando a magistratura, o senhor Humberto Ribeiro, a Dra. Priscila, representante da OAB, entre outras. Durante a cerimônia, cada acadêmico foi oficialmente empossado com a leitura da biografia de seus respectivos patronos, seguida da apresentação da própria trajetória e finalizada com a entrega do diploma. O momento foi marcado por discursos emocionados. Foram empossados: Em discurso comovente, Marcelo Miranda destacou: “Assumir a cadeira de número 3 da AULA é aceitar um legado. O patrono desta cadeira, Manoel Ferreira de Miranda, não foi apenas um homem de letras de Ubajara, foi também meu bisavô, a quem chamo de Pai Vô.” Após o juramento dos novos acadêmicos, a noite seguiu com o pré-lançamento do livro da acadêmica Ilma de Oliveira, a homenagem ao autor do Hino de Ubajara, José Maria Fernandes, e a execução do hino municipal com a participação de Marcelino Fernandes. A cerimônia foi marcada não apenas pela formalidade e solenidade, mas também pelo sentimento de pertencimento, orgulho e emoção que tomou conta da plateia e dos acadêmicos. Foi um verdadeiro marco cultural para Ubajara, fortalecendo ainda mais a missão da Academia em preservar e valorizar a literatura e as artes da região.

Fale com a gente

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *