A importância da história local

Ubajara, Serra da Ibiapaba.

ARTIGO

Por Teresinha Moura

2/3/20259 min read

Serra da Ibiapaba
Serra da Ibiapaba

De acordo com Vieira, (1992, p. 122), a Serra de Ibiapaba, situada em meio a uma região de clima ao semi-árido nordestino e a noroeste do estado do Ceará, impressionam aos visitantes devido a sua beleza entre ambientes e lugares tão naturais.

O tabuleiro da Ibiapaba ou conhecida mais popularmente como a Serra Grande é formada, geograficamente e politicamente, atualmente, se estende de um eixo montanhoso com início a 40 km do litoral e se avança 110 km em território cearense compreendendo as cidades de Carnaubal, Croatá, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará.


Foi nesse meio natural deslumbrante considerada como um paraíso arrodeada de caatingas que veio a se formar um dos resguardos missionários da Companhia de Jesus no Brasil, que era além das missões do Paraná-Uruguai. Segundo a carta anual de 1696, firmada pelo padre Miguel Antunes, havia na região Norte, mais precisamente no Estado do Maranhão cerca de 11.000 almas que eram gerenciadas pelos jesuítas; na capitania de Pernambuco existia cerca de 6.700 índios, sendo que 4.000 estavam presentes nas aldeias da Serra Grande. (SERAFIM, 1945, p. 321).

De acordo com Studart (1960, p. 53), esses dados numéricos auxiliam de certa forma a entender o empenho com que os missionários portugueses que foram designados para o Maranhão assimilaram a região, domínio não explorado ainda dos portugueses, no início do século XVII, mas que já havia despertado o interesse dos franceses para a formação da França Equinocial. Por esse motivo que os investimentos catequéticos contassem com o apoio de várias autoridades colonialistas para anexar por terra caminhos e comunicação entre o Estado do Maranhão e Grão-Pará ao Estado do Brasil.

Em torno de toda a metade do século XVII, a capitania do Ceará e, notavelmente as Serras da Ibiapaba, representavam, em documentos produzidos, a uma fronteira que deveria ser incorporada sem exceção ao império português. Assim, alega-se o uso da figuração Serras de Ibiapaba para se atribuir a essa região a noroeste da capitania do Ceará fosse compreendida como uma região colonial, espaço social de interação histórica, com participação de diferentes agentes coloniais.


Se a região possui uma localização espacial, este espaço já não se distingue tanto por suas características naturais, e sim por ser um espaço socialmente construído, da mesma forma que, se ela possui uma localização meramente temporal, este tempo não se distingue por sua localização meramente cronológica, e sim por um determinado tempo histórico, o tempo da relação colonial. Deste modo, a delimitação espaço-temporal de uma região existe enquanto materialização de limites dados a partir das relações que se estabelecem entre os agentes, isto é, a partir das relações sociais·. (MATTOS, 1990, p.24).


Assim, a região colonial era produto da influência de uma política colonialista com objetivo agregar a região das Serras de Ibiapaba, em um pensamento de ampliação territorial como uma conquista do Império português. Logo, essa região colonial era mais um que simples meio produtivo, mas sim um conjunto de elementos essenciais tendo como causa de sua integração essas referências.

As diversas configurações de organização dos grupos indígenas, compostas pelas políticas indigenistas por meio da aldeia, um ambiente que se constituía restritamente cristão, representou, uma das precauções da Coroa como meio de conservação de suas possessões, até a mais remota região que fosse.

Na época existiam inconstantes que moldavam duas variáveis históricas; a aldeia e a vila e que refletiam as práticas estabelecidas aos índios e que também participaram, estruturando métodos que possibilitassem, de alguma forma, afirmasse-se uma atmosfera de exercícios de sua identidade, ainda que houvesse a circunstância de dominação.

O sistema de ação catequética da Companhia de Jesus era desvirtuado com as iniciativas da Coroa, ou seja, a atuação missionária dos missionários constituía-se como uma parte dos princípios a de dominação.


Por volta do século XVII, ocorreram três empreendimentos sem sucessos de aldeamento com os índios nas Serras de Ibiapaba. Primeiramente, com os padres Francisco Pinto e Luiz Figueira nos anos de 1607-1608, que, foram mandados devidos a ordens da Companhia de Jesus no Brasil, tendo como representantes Fernão Cardim e do governador geral do Brasil, Diogo Botelho, formularam a campanha missionária em sentido ao Meio-Norte colonial.

O missionário explorado na lida catequética com os índios do Rio Grande, o padre Pinto, é capturado na memória jesuítica como precursor e criador das missões no Maranhão e que estabeleceu um padrão mantido pelos jesuítas nas investidas missionárias ao sertão colonial. O desfecho dessa campanha missionário culminou na morte violenta do padre Francisco Pinto em 1608 que foi morto a pauladas pelos índios Tarairiú. (STUDART, 1903, p 47).

Segundo os estudos de Monteiro (1994, p. 129), as investidas jesuítas não pararam. No período de 1656 a 1662 houve a segunda tentativa, em os missionários estiveram entre os índios através do comando do padre Antônio Vieira que o responsável e visitador das missões maranhenses.

Quando enfim o resguardo cristão foi estruturado nas Serras da Ibiapaba por meio do Antônio Vieira, a campanha denominou-se de São Francisco Xavier, provável homenagem a um dos idealizadores da Companhia. Atenta-se que esse momento foi propicio a muitas disputas na região do Estado do Maranhão, entre os jesuítas e os colonos e representantes do poder local que mantinham concentrada a mão-de-obra indígena. Assim, é possível se dizer que o fracasso dessa investida estava relacionado a todo um conjunto de conflitos que firmaram a presença jesuítica.

A investida final dos inacianos de fixação de um reduto propagador cristão junto aos nativos deu-se em 1691, com o do padre Manuel Pedroso e seu companheiro, padre Ascenso Gago. No dia 15 de agosto de 1700, devido a uma consequência de uma reunião entre grupos indígenas e representantes importantes, foi instituída a Aldeia de Nossa Senhora da Assunção nas Serras da Ibiapaba, que ficou sob o comando dos missionários jesuítas até 1759, quando foram expulsos de todo o mando dos portugueses.

Com comando laico de um militar apontado pelo governador geral de Pernambuco, com apoio da câmara local e chefia limitada de padres, essa nova conjuntura representou de acordo com as formas da lei, a diversidade de vassalos índios e não índios.

Segundo Silva (2005, p. 184) o registro da história das Serras de Ibiapaba é emaranhada com a historiografia dos jesuítas no Ceará. E por esse motivo vários estudiosos reconhecem tipos distinto de estudos relacionados a história nas Serras da Ibiapaba.

Primeiramente tem-se trabalhos realizados por historiadores não profissionais com ausência de vinculação acadêmica, sendo estruturada em grande parte por conhecedores liberais que decidiram por meio de uma identidade afetiva com a região registrar sobre sua localidade e cidade natal, sendo essas quaisquer nas situadas na Serra Grande.

É encontrado também a nacionalidade em pessoa ilustres que marcaram e possuíam representatividade pela sua história local, como autoridades religiosas, civis e políticas que arquitetaram um prestigio no Ceará e até mesmo no Brasil.

Já outro grupo de estudiosos trata de autores sacerdotes que devido sua ligação e privilégio de posição à Igreja alcançaram, por meio de dados eclesiásticos locais (especialmente, livros de visitação, livros de batismo, livros de casamento e livros de óbito), transferir para um nível mais compreensível um patrimônio importante e pouco trabalhado pelos historiadores.

O foco principal desses autores é estabelecer com que as Serras da Ibiapaba estejam na essência do processo histórico cearense, destacando como se deu toda a forma de colonização e ocupação da região por meio dos baianos e açorianos.

As terras banhadas pelo Acaraú foram povoadas dentro de um critério de seleção de sesmeiros, gente de boa linhagem, predominante entre as famílias primeiras, sentimentos de elevadas virtudes morais e tendências para o aprimoramento moral. (CHOAY apud ARAUJO, 2001.p 15)

Essa foi em sua forma uma atitude totalmente ufanista. Tendo um panorama que a história jesuítica é tratada de modo heroico de descobridor, estabelecendo uma visão de desbravadores do sertão que por meio da dedicação e do desejo próprio de catequizar os seres “incivilizados”, tornaram-se heróis da civilização e fé ao mesmo tempo.

O padre Vicente Martins conseguiu transcrever sobre a aldeia da Ibiapaba de forma precursora, organizado por meio de evidencias clericais locais, um aglomerado de informações que até aquele momento presente não tinha sido feita.

Seu domínio é comprovado através da publicação de trabalhos na Revista do Instituto do Ceará, que acabou influenciando autores que vieram depois e que escreveram sobre a mesma temática. No entanto, ele ao mesmo tempo se distancia dos escritores religiosos que objetivam estabelecer o cenário histórico das Serras da Ibiapaba como âmago da historiografia cearense.

Como o padre Vicente Martins reuniu informações separadas, de fontes clericais que estavam sua proteção e hoje são acessíveis ou forma perdidas com tempo, seu trabalho é classificado como abrangente somente do período jesuítico nas Serras da Ibiapaba, entre os anos de 1607 e 1759. Se o padre Vicente Martins conseguiu sistematizar informações esparsas, de fontes eclesiásticas sob sua guarda e hoje indisponíveis ou perdidas, seu trabalho abrange apenas o período jesuítico nas Serras de Ibiapaba, entre 1607-1759.

De maneira adicional o estudo do Barão de Studart, é um conjunto de informações de fontes mais importantes da época jesuíta, sendo esse um admirador dos padres e contrário as reformas pombalinas da época.

Em nome de que princípios foram expelidos das colônias os missionários? A liberdade das pessoas e dos bens dos indígenas. E eram eles escravos dos missionários? E dado que fossem, que lucro houveram em trocar senhores, que ao menos lhes garantiam alguma cousa, por senhores, que tudo lhes roubavam? Tão boa foi a reforma de Pombal, tanto ela favorecia os habitantes das aldeias e consultava-lhes os interesses que ao findar o século XVIII até aquelas aldeias que estavam próximas a Fortaleza (Parangaba, Caucaia e Paupina) eram um montão de ruínas (STUDART, 1903.p.194)


A percepção que se tem é que o fracasso que se estabeleceu nas vilas se promoveu devido a permuta de senhores, dos abnegados jesuítas pelos ambiciosos gerentes locais, diretores e capitães-mores.

Por fim, o último tipo de estudo relacionado a Serras de Ibiapaba engloba alguns trabalhos acadêmicos com uma concepção histórica. Um desses trabalhos foi publicado em francês, em que se debate sobre a função do padre Vieira como protetor dos índios no Brasil, porém com uma contextualização do seu empenho executivo de sacerdote nas Serras da Ibiapaba.


A perda de uma boa parcela de cultura nos grupos indígenas aldeados ocorreu de forma gradativa, como uma resistência tenaz por parte dos índios, que rejeitavam ou aceitavam mais facilmente costumes e rituais cristãos conforme o impacto que estes provocavam em sua organização social. (SOUSA, 2003, p.76)


É perceptível a dificuldade de seguir uma relevância da proposta, pois investigar de forma satisfatória a missão durante um processo histórico continuo é de certa complexidade por acabar por deparar com alterações culturais consequentes de escolhas e negociações indígenas.


Diferentemente de uma resistência cultural temos um tipo cultura de resistência, compreendida como uma ação que pretende com um conjunto de referências culturais de um grupo social estabelecer como necessário alterações e modificações de outro grupo de seus fatores indenitários, dentro do mesmo processo histórico. (BARTOLOMÉ, 2000, p.135).


Segundo Maia, (2005, p. 14), no trabalho Cultores da Vinha Sagrada: missão e tradução nas Serras de Ibiapaba (Século XVII) tem-se decorrido sobre o ambiente da missão jesuítica nas Serras da Ibiapaba como um centro privilegiado, em que se estabelecia uma interação de remodelamento, em que jesuítas e índios por meio de suas próprias características culturais formassem uma compreensão aceitável do outro, apesar de serem de cultuas diferentes.


Hei por bem abolir e extinguir de todo o diretório dos índios, estabelecido provisoriamente para o governo econômico das suas povoações, para que os mesmos índios fiquem sem diferença dos outros meus vassalos, sendo dirigidos e governados pelas mesmas leis que regem todos aqueles dos diferentes Estados que compõem a monarquia, restituindo os índios aos direitos que lhes pertencem, igualmente aos meus outros vassalos livres1.


A situação em que os índios se encontravam não se estabelecia também como uma condição de aldeados para os outros serventes da Coroa. Era uma condição singular, fundamentada em leis indigenistas, sendo que, a forma de relação era distinta da própria sociedade do Antigo Regime em que os súditos tinham um papel na escala social, mas garantia-os alguns direitos e privilégios que só foram conquistados pelos índios durante o passar do período colonial.

A capitania do Ceará por volta do século XVII era um caminho de ligação e proteção, região representativamente estruturada de uma limitação militar por meio do estabelecimento e permanência na região de grandes fortes, por exemplo. Logo, esse ambiente formado ficou mediante similar tanto para os Portugueses como para os Holandeses, esses em intervalos dominaram o Ceará entre 1637 e 1649.

É possível perceber, o congregar entre a amizade e pacificação dos índios nas Serras e as autoridades, processo primordial para permanência de defesa da Coroa. Assim, os índios formavam um fator da ideologia de colonização que por diante daquela situação viria a se desenvolver durante o processo histórico.

1 Carta Régia ao capitão-general do Estado do Pará acerca da emancipação da liberdade indígena e fim do Diretório pombalino. 12/05/1798. ANRJ, Códice 807, vol. 11, fls. 23-34.

Por Teresinha Araújo Moura, trecho da monografia apresentada à Coordenação do Curso de Licenciatura em História do Instituto de Teologia Aplicada - INTA.