Versos dedicados a Maria Lira

Homenagem a Maria Lira para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes

Por Ilma Oliveira Queria falar tão somente da graça que tive no tempo Em que convivi com uma amiga com tanto entendimento Explicava para mim o que era ser, em fim, um verdadeiro cristão Tudo tinha, então, sentido, porque eu a escutava com mente e coração. Não ensinava só com palavras, mas com exemplo também Dizia sempre que a vida era vida quando se fazia o bem Por isso ficava contente sempre que ia falar Suas palavras eram suaves e prazerosa de escutar. Abençoada a hora que conheci minha amiga Maria De fundamental importância foi a sua companhia Falar da minha amiga, estou sempre à vontade Nosso convívio sempre positivo pela grande qualidade. Na diferença da idade e conhecimentos adquiridos Era cheia de saberes todos por ela já vividos Complementavam-se os saberes pala diferença de idade Ela tinha a experiência, eu tinha a boa vontade. Com toda serenidade de uma vida bem-vivida Ela soube ser capaz de aceitar a sua lida Habilidade bastante pra lidar qual fosse a situação E sabia conduzir todas com uma sábia solução. Ela sempre me dizia: tudo na vida é passagem Para resolver seja o que for tenha sempre serenidade O melhor da nossa vida será sempre a tranquilidade A vida é tão rápida e parece uma miragem. Também deixou para todos o legado da alegria Característica de quem sempre está no coração de Maria Dedicada a igreja de corpo, alma e mente Era no servir a Deus que a fazia contente. Dizia-me com convicção: nosso dever é amar A Deus do céu de coração, sem Ele não podemos estar Em toda e qualquer idade Dele, só dele é a bondade Que o amor Dele nunca falta, é só fazer caridade. Quando quiser ser bom cristão, ame ao Senhor Jesus Na hora do seu tormento, que Ele sempre conduz Seguir a Ele é obrigação de todo e qualquer cristão Basta entender que sem Ele não haverá salvação. A salvação é difícil pra quem não acredita no amor Ele sabia o quanto seria da Nossa Mãe tanta dor Também do filho eterno que por nós morreu na cruz Há de vir do coração fé, amor, compaixão e luz. Grande conhecedora da verdadeira palavra de Deus Por isso viveu em harmonia e simplicidade com os seus Foi uma vida vivida dedicada a igreja e aos irmãos Queria servir ao Pai por servir e nunca dizer um não. Assim deixou para todos nós a riqueza de seu amor e fé Entendendo que o Senhor Deus não foi, não será, Ele é. Amar a Deus é o que importa tendo humildade de mente O que o faz ficar feliz o Pai é ver o filho contente. Resta a nós seguir em frente com zelo e esperança E procurar crescer na humildade como se fosse criança Que não sabe o que é maldade desse mundo de cruéis Absolvidos em bens da terra não sabem a Deus ser fieis. A plantação que fizermos da palavra do senhor Será de grande sabedoria regar com cuidado e amor O que iremos colher no futuro é o resultado da semente Daqueles que sabem guardar os bons conselhos na mente. Descanse em paz, minha amiga, que nós ainda aqui vivemos Nesse pedaço de chão apenas com a oração é que a Deus chegaremos Pedindo sempre ao Senhor para nos livrar da dor e a salvação buscar Obediente na oração e também na eucaristia para salvação ganhar.

História da Família Eufrásio

História da família de Raimundo Eufrásio para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes

Raimundo Eufrásio Oliveira é cearense, nascido aos vinte e oito dias do mês de Setembro do ano de 1916. Seus genitores residentes na Serra do Rosário, em Sobral, sofreram as dores da seca que assolava constantemente as populações regionais. Mais ou menos por volta do ano 1888, os mesmos transferiram-se para a Serra da Ibiapaba, precisamente hoje no município de Ubajara, á época território pertencente a Jurisdição do Município de São Benedito. Era o início da tradição, bem como a história da família Eufrásio de Oliveira, em Ubajara. A cidade de Ubajara, sempre amada por Raimundo Eufrásio, não foi seu leito de morte, embora fosse indicado por ele como o lugar ideal para findar os seus dias: sua terra natal. Julgava inconcebível qualquer argumento contrário a essa questão de sua preferência. Ele nasceu e viveu até os dez anos de idade no sítio de propriedade dos pais que muito cedo partiram para o céu deixando-o órfão prematuramente. “Sob as sombras acolhedoras dos viçosos cafezais que envolviam a casa grande do Carpina, jardim edênico do Pitanga, eu vim ao mundo num dia alegre de setembro”[1]. “No belíssimo cenários verde-esperança dos fartos canaviais farfalhantes da encantadora região da Valentina, eu adorei a natureza majestosa; ali era a nascente do famoso Olho D’Água, de águas cristalinas e tépidas, tão puras, tão convidativas tão perenes como as bênçãos dos céus; as secas o afastaram por muitos anos seguidos, e logo que o meu pai adquiriu aquelas terras, ele retornou como um prodígio de Deus para beneficiar o solo onde eu nasci” [2] Foi ouvindo as dolentes cantigas das águas da velha cachoeira do rio Pitanga, que Raimundo Eufrásio sentiu as primeiras emoções que energizam a alma do jovem no contato inicial com as maravilhas da terra. “No deleite dos cantos maviosos das graúnas no alto azul das palmeiras seculares, eu aprendi as primorosas lições da psicologia dos pássaros que cantam, que amam, alegram, galvanizam, que lutam, sofrem, morrem, mais não choram, não suplicam, nem gemem; nisto os fortes, os santos e os mártires são semelhantes às aves canoras do céu” [3] “E nas tardes quentes de verão, dominadas pelo instinto milenar da despedida, as estridentes cigarras cantadeiras choravam a saudades do sol quando morria; e a natureza encobria a serra no negro cobertor da noite; eu aprendi, assistindo aquele drama, a esperar a felicidade do dia de amanhã e a chorar a saudade do dia que passou; nas madrugadas risonhas de verão, eu era despertado, feliz e embevecido, com a alvorada melodiosa dos bandos dos xexéus, sabiás, graúnas, campinas, canários e jesus-meu-deus, numa sinfonia enternecedora que só a natureza mestra sabe craniar; aí, eu compreendi que até os infelizes podem ser felizes por alguns momentos” [4] “Dos píncaros da colina, a gente avista a cidade; aquela cidade festiva das missas de domingo e das novenas de São José, e a sedutora menina fidalga ávida de amor e estuante de progresso: A PRINCESA DA SERRA, a jóia dourada da Ibiapaba; Nessa cidade eu aprendi na Escola da incomparável mestra Maroca Perdigão Pereira, a cantar o Hino Nacional, a rezar as orações da Primeira Comunhão, a declamar poesias do genial Castro Alves e do Padre Antonio Tomaz, e amar com orgulho a minha pátria; na minha cidade eu aprendi a ler – a glória do menino de engenho; foi a partir dessa época que comecei a me afastar das tarefas comuns de tratar dos bois e coletar os feixes de bagaço de cana para transportar às costas para o pátio da fábrica, etc; dir-se-ia que eu descobriria um mundo novo, mais convidativo, mais progressista e mais humano; eu sabia ler o QUARTO LIVRO de Felisberto de Carvalho, o que para muitos companheiros já representava um diploma de letras” [5] Raimundo Eufrásio viu e venerou os filhos heróicos da cidade, que lutaram pela independência do município e conquistaram a autonomia política de Ubajara. “conheci o líder do povo Grijalva Costa, jornalista Manuel Miranda, o chefe político Francisco Cavalcante de Paula, o intelectual José de Oliveira Vasconcelos, o comerciante Moisés Bispo de Lima, o abastado Pergentino Costa, o industrial Elpídio Luiz Pereira o poeta Antonio Pereira, o rico comerciante Francisco Bahé de Macêdo, o prefeito Luiz Lopes, o tabelião e professor Antônio Celso de Jordão, tenente Ângelo Fernandes de Sousa, Raimundo Oliveira de Vasconcelos, Francisco Pinto, Flávio Lima, poeta Hemetério Pereira, Lauremiro de Vasconcelos, Francisco Alfredo Cavalcante, José Luiz Pereira, o delegado Maneco, considerado o mais rico proprietário do Município, e muitos outros que engrandeceram o torrão onde nasci”.[6] Dentre tanto narrado por Raimundo Eufrásio consta pelo mesmo que leu com frenesi os primeiros números da “GAZETA DA SERRA” e de “UBAJARA”, dois semanários que acompanhavam o progresso intelectual da cordilheira, sempre orgulhosa de Clóvis – o pontífice da Jurisprudência no Brasil, e de Farias Brito, considerado até então o mais renomado filósofo brasileiro de todos os tempos, admirou os encantos, belezas e excentricidades da maravilha natural do Norte: a Gruta de Ubajara. “a milenar e portentosa GRUTA DE UBAJARA, com as suas estalactites que marcam o relógio da civilização todos os segundos de cada século, e as estalagmites que formam, pacientemente, as pilastras para a história das pesquisas científicas que ainda não chegaram até nós; e na visita que fiz à Gruta eu assisti um dos mais belos espetáculos que os meus olhos já presenciaram: a indescritível aurora que nos maravilha, quando saídos das trevas da caverna avistamos o raiar do sol esplendoroso e mil vezes mais lindo que nos recepciona lá fora; a Gruta é, na verdade, a maravilha do Norte do Brasil” [7] Segundo Raimundo Eufrásio a fertilidade do solo, a prodigalidade do clima, a excelência da água, a exuberância das frutas, a magnificência dos panoramas das alturas e a riqueza vegetal, a constância das chuvas, a salubridade do verão serrano, a potencialidade agroindustrial espelhada na cultura secular da cana de açúcar e do café, a perenidade das plantações verdejantes, tudo isso conjugado à hospitalidade do coração generoso do povo da sua terra, representa

Muralha de Aço

Poema de Clara Leda para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes

Por Clara Leda Ibiapaba, Serra Grande, majestosa Lendo e conhecendo tua história Em idos dias e outroras Sinto um orgulho danado de ti. És uma muralha forte, Suporte em aço Sem início e sem fim A sustentar o horizonte. És um mar de terras férteis Que deslizam por tuas encostas, Espraiam-se aos teus pés, Manjedoura da fartura. Encravada na tua rocha Em cenário de garoa, Desabrochou, feito flor Minha Ubajara querida. Do alvorecer ao anoitecer A natureza toda canta. Canta no assobio do vento Na boca d’água dos rios Na chuva de prata do luar. Canta a cigarra, canta o sabiá, Canta o povo, louvores, Benditos de sua fé E crê: as bonanças da nossa terra São chuvas de bênçãos divinas. A euforia, em mim, transborda E um orgulho de teu tamanho Toma conta de mim. Celebro! meu grito é eco, Ressoa, revela: Sou ubajarense! Sou Ibiapabana! Por ti faço versos, Cidade amada, terra querida Meu orgulho, minha paixão.

À Pressão, os feijões

Feijões, conto de Melissa Vasconcelos para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes

Por Melissa Vasconcelos Minha filha, Não estou a entender nada do que tu me dizes. Onde estou, sou cinza. Mas para me dizer maior, Me chamo de prata. O cheiro é de indústria. Meu pescoço aumentou em largura e diminuiu em comprimento. Meu olho está arqueado como o olho de um monstro. E nossas colunas agora são infinitamente tortas. Se puder fugir desse já, fuja. Vocês da frente estão condenados a estarem atrás. Laudo de besta é ganhar coice e ser marcado por um trem de ferro. É por isso que tenho ficado esfolado: não sou eu quem sou besta, besta é quem me esfola. E eu perco a vida sendo esfolada, quem aparentemente ganha também é quem me esfola. Mal sabe o que esfola que morrerá por igual esfolado. Estou cansada de desejos que me criam ofertas ou demandas. A primeira esfera acabou no vai e vem dos produtos. No mesmo circo, comercializamos a nossa carne como um objeto. O desejo não satisfaz a vontade da vida, apesar de oferecer espectros ao novo. Feitas as procuras até então, acho que muito se houve do eu; pouco se houve de nós. Esgotou pois a água que procurava os rios dos envelopes. Joaquina completava dezenove anos naquela tarde de alvorada. Ao retornar do Mercado dos Pinhões, trazia alguns apertos na cabeça – vinham de frases intermináveis que colidiram nos acordes e nos versos. Além da marca de ferro, vista a queimar os cascos do cavalo, havia um cheiro tão impregnado de feijão cru, a ponto de causar náuseas para a socorrida de um quarto de copo no calendário. Desde muito pequena, lá nos seus oito anos, pungia a reclamar das dores articuladas entre as duas pernas sustentadoras de entulhos. Como a dupla se colocava abaixo do quadril, acreditava em sua função de ser escala fezes. Mas isso não cabe, de todo modo, no caroço do feijão cru; o atormentador de narinas e desacatos aos bons modos. Quantos feijões bons eram maus em conduta? É certo – não transpareciam ou apareciam semelhantes aos alunos universitários que via de poucas ou muitas regras – fica ao dispor de quem se entonar – eram ensinados a disciplinar os egos estourados nos seus palanques invisíveis; qualquer um deles seria rente para mostrar vielas de sobrevivência. Por isso, quase toda a vida parece ser andada por linhos que perderam suas linhas. Os bons aprendizes se matavam nessa caça ao grande. Foi ali que a menina perguntou se o monstro dos fitos não seria, em verdade, um grande. Pois a fim de ficar com feijões duros e crus, Joaquina notava ser mais ardida a convivência para as conveniências de cheirosos – e todos eles fediam para Thoreau – do que o fedor dos petrificados da esquina. A putrefa e a pedra são irmãs. Ambas são filhas das margens, as tangentes criadas pelo medo dos mesquinhos e seus respectivos palanques. A panela de pressão, destinada a gestar todos os feijões podres, achava-os tão singulares que foram eles o prato principal do jantar das seis. Josué comia os caroços, mastigava os caroços, sempre forçado a não cuspi-los por conhecer a dor da fome; porém, reclamava desenfreadamente de todos os grãos degustados. __ Estás reclamando de que, Josué? __ Dos feijões podres que você me serve. __ Por que reclamas de um podre de casca se sua alma é vizinha dos ascos reconhecidos pelo seu paladar? O bom dos feijões era que nenhum dos seus caroços necessitava de oferta ou demanda. Por serem podres, nunca seriam produtos. Exceto para Joaquina – ao se reconhecer uma filha podre, consumia todas as mercadorias podres prestes a se enrolarem nos lixões. A fila dos concursos, eternamente mais larga do que vasta, carregava uma sacola de vazios. Os feijões daquela época, por isso, estavam em irmandade de sabores à podridão. Joaquina sentia o sangue quente do caldo feito percorrer suas veias. O feijão podre e o humano eram irmãos de sangue – puros e carnais. Uma das distinções mais sublimes foi o fato da tentativa infame que o bicho de uma cabeça, dois olhos, duas orelhas, uma boca e um cérebro desenvolvido persistiu ao craquelar a imortalidade. Depois disso, Joaquina concluía que até o feijão descartado era menos podre do que um humano não velado – desse modo, porque sendo velados, já estariam puros; isto é, mortos. A elevada triturava os feijões para lembrar-se dos feijoeiros. Eram nessas raízes de onde saiam os pães e a semente da fruta que se consumia após o almoço, repartida em nove pedaços. Os feijões estragados e as goiabas maduras brigavam com frequência de presentes entre os pratos de arroz mal cozidos. Joaquina pensava sobre perdas. Achava ganhar o pensamento e um único caroço bom para morder. Tanto o caroço quanto a memória foram embora – não queriam ser lembrados, nem recordados naquele milésimo. Pilhas corriqueiramente haviam nas cabeças da elevada mais baixa da rua Dragão do Mar. Ao pisar na calçada, para Josué, era módico que acontecesse o mesmo registro. Ser queimado pelo sol, marcado por um amontoado de sacolas e sobreviver de suprimentos que nutrem os organismos como carcaças ou depósitos que deveriam se alimentar. E do outro lado do trânsito, para Joaquina, que estava muito embaixo enquanto para cima, tudo era um pouco mais pilhado: primeiro um olho aberto, depois um neurônio enterrado. Rodavam os dias como se estivessem em cima de um transporte de cascalhos apressados. Ela bem pressentia que só jovens tinham pressa de tartarugas.

Homenagem a meu avô Ditimar

Ditimar Vasconcelos, crônica de Melissa para a revista da Academia Ubajarense de Letras e Artes

Por Melissa Vasconcelos Para a maioria das pessoas, este nobre cidadão era alcunhado de Seu Ditimar, conhecido também como “Bonequinho”, em virtude de sua beleza – como meu pai, seu genro, costuma muito me dizer, rindo. Ditimar de Oliveira Vasconcelos nasceu em 29 de outubro de 1932. Filho de Raimundo de Oliveira Vasconcelos e Augusta Lima Vasconcelos, estudou no Seminário, em Tianguá; trabalhou como soldado na Base Aérea de Fortaleza, e durante muitos anos, foi caminhoneiro, além de ter sido maçom na Maçonaria de Ubajara. Porém, para mim – e para os meus inúmeros primos – ele era o vovô Ditimar. Todos os dias, acordava cedo, sempre o primeiro da casa a se levantar, para depois caminhar até o bondinho. Saía, simpático, pelas ruas. E eu, que tive uma convivência muito estreita com os meus avós, desde pequena, ia junto com o meu avô, de mãos dadas, fazer a feira na barraca da Dona Diva, ao mercado de carne do Seu Lista, comprar castanhas-do-pará nas barracas do antigo mercado de Ubajara, que hoje, converte-se em um calçadão de eventos. Até os meus dez anos, foi assim: a minha vida repleta da vida do meu avô. Nos meus cinco anos de idade, tempo em que fui aluna do infantil 5 do Instituto Nossa Senhora de Fátima, guardo uma memória cravada em meu peito – meu avô foi me buscar na escola, no final do dia, às 17h. Usava uma boina, sapatilhas, uma bermuda e uma blusa social clara; como de costume, usava óculos, e mostrava seus bons e autênticos cabelos brancos. Ele se pôs no centro da porta de entrada da minha sala, baixando a cabeça por baixo da boina, quando minha professora interrompeu a aula e disse: “Melissa, quem é aquele ali que veio te buscar?” Eu, criança, vendo aquele senhor abaixando a cabeça para não ser visto, demorei a reconhecer, e tanto meu avô quanto a professora riram. Foi ali, ao ouvir o som da risada do meu avô, e já tendo o reconhecido ao observar suas pernas, que eu o percebi, com muita alegria e a pureza de amor que somente uma criança é capaz de sentir: “É o vovô!”. E corri para abraçá-lo. Aquele tinha sido um dos finais de tarde e dia de aula mais especiais, se não o mais especial, para mim, pela simples presença do meu avô, que me buscava em sua F-1000 amarela. E como eu poderia esquecer da F-1000 amarela? Quase todos os dias – senão, todos os dias – meu avô, quando eu não estava em sua casa visitando ou passando o final de semana, ia nos visitar na casa dos meus pais, e o barulho do motor do seu carro era inconfundível, assim como o som da buzina. Eu reconhecia de longe, mesmo antes do carro estacionar na frente da casa. Ali, aprendi a distinguir os sons, os motores e reconhecer o carro de cada pessoa, o que me faz, até hoje, saber sobre cada visita que chega, antes que toquem a campainha. Sempre quem ajeitava minha bicicleta era meu avô: comprou uma bomba para encher, semanalmente, os pneus de minha bicicleta. Comprou, também, uma capinha acolchoada para que a cela não me deixasse assada. Por fim, para que a homenagem não se converta em um livro de romance, meus avós – em cada episódio que estava presente meu avô, também estava junto minha avó – me levavam à missa todos os domingos, às 7h, e ainda que não fossem à Igreja todos os dias, em todos os dias, assistiam ao terço e à missa, aos finais das tardes, às 18h. Nessas tardes, eu deitava entre os meus avós: meu avô sempre do lado esquerdo da cama, minha avó, do direito, e eu, no meio, entre os dois, que faziam, cada um, carinho ora em minhas pernas, ora em minha cabeça, enquanto nós três estávamos em reza. Nunca houve uma vez que eu não andasse na rua com meu avô que não fosse de mãos dadas, e com ele falavam, e a ele perguntavam – “é sua netinha, Ditimar?” “Sim, é minha netinha, a Melissa.” Cresci conhecida, entre a maioria, como a neta do Seu Ditimar e da Dona Fransquinha, desde criança, com muito amor, carinho e orgulho. Grande cidadão Ubajarense, faleceu em 08 de dezembro de 2018, na Santa Casa de Sobral, mas jamais será esquecido no coração de seus parentes e amigos. Antes que meu avô entrasse na UTI, tive a oportunidade de ser abençoada por ele, pela última vez – “Deus te abençoe” foram suas últimas palavras que ouvi em vida. Meu amor e respeito por meu avô são o resultado do amor que recebi do famoso Seu Ditimar durante todo o meu crescimento, e em mim, sempre haverá, não só fisicamente, mas internamente, a tatuagem do seu legado. Como forma de eternizar a memória de meu avô, intitulou-se, em 2019, a Rua Ditimar de Oliveira Vasconcelos, em Ubajara, que, conhecido pela sua generosidade, bom humor e enorme coração, deixou uma marca indubitável como cidadão Ubajarense. Tive a honra de crescer e passar minha infância com ele, ouvindo os sermões: “quem fica de ‘coca’, papoca!” ou “eu só vou sair dessa mesa quando tu raspar esse prato, eu duvido que tu coma tudo”. Gostaria muito de que ele ainda estivesse vivo e lúcido, que tivesse participado e visto o lançamento do meu primeiro livro na Câmara Municipal. Que visse minha transição de crescimento completa, que tivesse me acompanhado nos meus primeiros amores e experiências, o que eu tenho certeza que ele seria vigilante e protetivo, que me orientaria – eu, provavelmente, seria chata como uma adolescente, mas sua orientação para me proteger pesaria mais que minha chatice. Porém, agradeço pelo tempo em que consegui conviver com ele, e espero que ele esteja observando o que acontece, de onde quer que esteja. O legado que escolho carregar do meu avô é este: o amor, a honestidade, o coração grandemente generoso e a bondade. Sinto-me feliz e orgulhosa

Galos Insones | Capítulo 1

Galos Insones, livro do acadêmico ubajarense Walter Parente

25 de janeiro de 1984. Um velho ventilador de teto espalha mais barulho que vento naquela quente enfermaria de mulheres. Uma menina de nove anos dorme. O sono intranquilo. Vira-se de vez em quando, deixando a mãe preocupada com a possibilidade de que venha sair o cateter, que está preso em um dos braços, por onde lhe são infundidos soro e medicamentos. Guardiã e atenta, sentada em uma cadeira improvisada, a mãe contempla enternecida a filha. Diligente, desvia os olhos apenas para examinar o frasco de soro; está atenta ao volume e a cada gota que cai. Seguidamente lhe põe a mão na testa. “Graças a Deus, a febre não voltou”, pensa. Estava ali apenas como acompanhante, mas, quando chegou, recebeu também atendimento de emergência; trazia arranhões e hematomas no rosto, nos braços e no pescoço, havia um corte no lábio superior, o olho direito estava circundado por uma grande mancha roxa, na orelha esquerda sobressaíam três pontos cirúrgicos, postos ali para cingir um corte que dividira o lóbulo ao meio. Para a lesão maior e mais profunda, não recebera tratamento: uma ferida na alma, cuja dor se tornara intermitente e perturbadora, como era a estridulação dos grilos nas noites invernosas da fazenda. Ela ergue a cabeça, atraída por umas palavras vindas de uma TV suspensa num suporte de ferro preso à parede: “… só assim, teremos liberdade plena!” Era um político exaltado que, de cima de um palanque, discursava para uma multidão. Políticos e artistas de televisão o sucediam. Eram muitos os discursos, mas todos se encerravam com as mesmas palavras de ordem: “Diretas Já!” De quando em quando, a plateia era focada, podendo-se ler em muitas das faixas exibidas: “Parabéns, São Paulo, pelo seu aniversário!” A multidão ovacionava cada discurso. Ela sentiu inveja daquelas mulheres que apareciam em meio à imensa plateia. Mostravam-se atentas e felizes. Se estavam ali sorridentes e preocupadas com o rumo do país, por certo, os problemas de cada uma eram de pequena monta, a ponto de serem postos em segundo plano. Todas elas podiam usufruir dos maiores bens: a paz e a liberdade. Podiam ir atrás de seus sonhos. Ela, não! Sonhar, não podia! Como também não podia livrar-se de seu pesadelo, do jugo de seu impiedoso marido, que lhes infligia, a ela e à filha, suplícios e privações havia tempo. Sentia-se culpada pelo sofrimento da filha. Muito se lamentava por ter aceitado se casar com um homem que não tardou a se mostrar inescrupuloso e sádico. Nos primeiros meses do casamento, a lubricidade desmedida inibia a perversidade, mas, com o passar do tempo, a gravidez foi-se acentuando e os desejos libidinosos foram se arrefecendo, sobrando ao marido apenas o espírito selvagem e mesquinho. O sofrimento veio lhe bater à porta, com mala e cuia. A princípio, os suplícios eram amenos e espaçados; ele se contentava em ofendê-la apenas verbalmente; alguns empurrões, só de vez em quando, mas a coisa foi-se amiudando e tomando outro rumo. As bebedeiras se tornaram frequentes, e as agressões físicas também. O marido não trabalhava. Vivia a dizer que não carecia de trabalhar, que não era jumento para carregar fardos, o bom mesmo era viver do suor dos que tiveram o azar de nascer pobres. Vivia da renda advinda de duas propriedades. Ultimamente cultivava o hábito diário de rumar, após o almoço, para o Bar Pedra Branca, de Lenimberg Benevides, onde se dedicava ao carteado. Dali só saía à boca da noite, indo invariavelmente para o Refúgio do Amor de Mundinha Pedrosa. Quando, por uma razão muito forte, fugia desta rotina, Mundinha Pedrosa e suas colaboradoras não conseguiam disfarçar o descontentamento; em cada semblante estava estampada a tristeza e o desalento. A desconfiança, isto é, a insegurança, recaía na possibilidade de o fazendeiro ter-se bandeado para o Cabaré da Lolita. “Praga ruim! Cascavel invejosa!”, exasperava-se Mundinha Pedrosa. No entardecer seguinte, quando o eminente cliente aparecia cheio de ânsia, desejando recuperar o que deixara de fazer na noite anterior, a alegria no estabelecimento recrudescia. As colaboradoras trabalhavam com satisfação; algumas até se esqueciam dos infortúnios que as levaram até ali. Assim, a clientela lhe agradecia pelas raras ausências. Este bem-querer ao cliente tinha uma razão: ele era um benemérito da casa, um provedor. A maior parte da renda que recebia, ele destinava àquele empreendimento, que lhe dava como retorno a imensurável devoção de Maria Ternura, que, apesar do nome, não negava sua predileção pelo amor selvagem. “Carícia é pra virgem! Umas bofetadas no corpo sempre me aquecem a alma”, defendia ela. Este gosto dissoluto atraía o fazendeiro. Para ele, Maria Ternura, decisivamente, era diferente de todas as mulheres que conhecera, sobretudo de sua esposa. “Ela é uma mulher de verdade. Trepa porque gosta!” O marido regressava para casa quase sempre nas duas primeiras horas da madrugada. E lá estava a esposa para lhe esquentar a comida e ouvir insultos requentados: “Aonde eu fui amarrar meu cavalo, quando casei contigo? Tu não sabe satisfazer um macho, eu não troco a Maria Ternura por ti! Tu é uma puta sem-vergonha!”… Diante do silêncio da esposa, invariavelmente ele partia para cima dela como uma fera indomável. Puxava-lhe os cabelos e cobria-a de tapas. Muitas vezes, surrava-a com o cinto que trazia à cintura. A filha, atraída pelo barulho, sempre vinha correndo ao socorro da mãe, mas nada podia fazer; quase sempre terminava caída no cimento duro e frio da cozinha. Às vezes, o sangue lhe brotava do pequeno e afilado nariz. Com o passar do tempo, temendo pela integridade da filha, ela optou por se evadir, já não esperava pelo momento da flagelação. Ao terminar de esquentar o jantar, cuidava logo de pular a janela que dava para o quintal, que, por prevenção, resolvera deixar apenas encostada. Nas primeiras vezes, ele vinha em seu encalço, mas ela logo pulava a cerca do quintal que dava para a rua lateral. Ele, indisposto a tamanho esforço, como um cachorro que deixa de correr atrás de uma presa que se mostra mais veloz, desistia

Declaração de amor a Ubajara

Oscar Magalhães, patrono na Academia Ubajarense de Letras e Artes

Por Oscar Magalhães Por ti nasci poeta e para ti será, Ubajara, o meu canto melhor: canto de glória e canto de esperança pelo que és e pelo que hás de ser. Porque vivo dentro de ti, vives dentro de mim, tu me inspiras, eu canto e o meu canto é um clarim em que farei vibrar, num clangor todo novo, a beleza da terra, e do céu, e do povo… E a rega de suor de meu rosto cansado há de fazer florir tua mata e teu prado. Cantarei tuas águas, tuas filhas, teus verdes bosques umbrosos; o que há de mais puro, e mais belo e mais forte… As tuas águas são claras como o zizi da cigarra… Viajor, as vossas mágoas vinde lavar nessas águas… Ó líquidos cristais em que a sede mitigo, águas claras e mansas, vós que não conheceis a perfídia do lago, a malícia do rio, perto do céu, longe do mar, águas crianças, fonte de minha fé, berço de meu lirismo, vós me falais de Deus num contínuo cicio de afago, e eu vos bendigo águas de meu batismo! A beleza de tuas filhas semelha o vôo da andorinha… Se não conheceis o amor, vinde vê-las, viajor! Alvorada de carne, etérea floração de amor e de pureza, herdastes de Iracema um dom imenso: essa graça morena, essa quase tristeza, essa fascinação, que falam da palmeira e da açucena e das manhãs radiantes de verão… em que farei vibrar, num clangor todo novo, a beleza da terra, e do céu, e do povo… E a rega de suor de meu rosto cansado há de fazer florir tua mata e teu prado. Cantarei tuas águas, tuas filhas, teus verdes bosques umbrosos; o que há de mais puro, e mais belo e mais forte… As tuas águas são claras como o zizi da cigarra… Viajor, as vossas mágoas vinde lavar nessas águas… Ó líquidos cristais em que a sede mitigo, águas claras e mansas, vós que não conheceis a perfídia do lago, a malícia do rio, perto do céu, longe do mar, águas crianças, fonte de minha fé, berço de meu lirismo, vós me falais de Deus num contínuo cicio de afago, e eu vos bendigo águas de meu batismo! A beleza de tuas filhas semelha o vôo da andorinha… Se não conheceis o amor, vinde vê-las, viajor! Alvorada de carne, etérea floração de amor e de pureza, herdastes de Iracema um dom imenso: essa graça morena, essa quase tristeza, essa fascinação, que falam da palmeira e da açucena e das manhãs radiantes de verão… Que para vós meu verso seja incenso e turíbulo ardente o coração. Galga o azul teu grande bosque na fronte do piroá. Nessa sombra, ó viajor, adormecei vossa dor! Bosques de minha terra onde não mais estrugem estrupidos de luta, alto soar de inúbia, reside em vós a força e a paz nesta hora dúbia!… Velhos carros de boi, nos desvios, rechinam sobre flores de ipê… Ao longe turturinam rolas pasdas, azuis, cor de ferrugem… Vossa beleza encanta e vossa força aterra! Numa eclosão de sons, num tumulto de cores, num perfume sutil de frutos em sazão, dais alimento e sombra aos lenhadores, e abrigo ao cafezal verde que além se alonga pejado de rubis, louro e farto de orvalho, glorificando a força, a harmonia, o trabalho, no forte martelar sonoro da araponga. Oh, benditos sejais, bosques de minha terra, vós que me dais o céu, dando a meditação!… *** Eu cantarei assim. E esse canto será, na morna paz do campo, o farto pão da espiga e a luz do pirilampo. Que eu seja, para ti, ó colmeia encantada, a beleza e o labor de uma abelha dourada! Ubajara, Ubajara! é tão grande por ti meu amor que, homem, chego a esquecer o meu tormento para cantar teus dias de esplendor! Eu te amo, eu te amo, e à força de te amar, vivo ─ serei por ti essa abelha dourada, morto ─ ressurgirei numa rosa encarnada para te coroar!

Crônica Jornalística ao Dia da Literatura

homenagem ao dia da literatura na Assembleia Legislativa do estado do Ceará. Monique Gomes foi a acadêmica homenageada.

Toda mulher tem um vestido de festa longo guardado há mais de 200 anos nas entranhas do armário. Então, não me preocupei com o que usar na sessão solene em homenagem ao Dia da Literatura que aconteceu no dia 21 de novembro na Assembleia Legislativa, em Fortaleza. Observe como o excesso de confiança feminina pode ser arriscado, caro leitor: deixei para experimentar o bendito na véspera do evento. O caimento do crepe de alfaiataria esvoaçante tocando meus tornozelos ficou simplesmente perfeito. O problema é que fiquei entalada na roupa a ponto de chamar o corpo de bombeiros a vizinha pra me libertar. Passado o infortúnio, encontrei uma peça substituta cujo fecho éclair não chegava ao seu destino final, porém uma gambiarra logo foi improvisada. Pois bem. Fui escolhida pela Academia Ubajarense de Letras para receber a honraria. É a segunda, sendo que a primeira foi entregue a Francisco Jácome Sobrinho, nosso presidente eleito, na cerimônia do dia 4 de Agosto. Fiz uma viagem tranquila pela Expresso Guanabara, exceto por um pequeno inconveniente que quase me fez perder o ônibus. Senti falta daquela necessaire cujo interior serve para guardar dinheiro, cartões de crédito/débito e documentos. O rapaz da agência consultou um GPS digital e me alertou: “O motorista chega, mais ou menos, em 10 minutos”. Voei pra casa de Mop Spray na velocidade da luz. Não sei se você já ficou sabendo, mas as bruxas modernas não usam mais vassouras. Chegando ao Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé, avistei um rapaz moreno, alto, bonito e sensual. Ele me observava com uma atenção intrigante, enquanto eu imaginava se tratar de um serial killer. “Tô vendo muitos filmes”, pensei. Mas o homem insistiu no “assédio”, até eu descobrir que ele era o motorista do Uber que eu tinha acionado pelo celular a menos de um minuto. Matuta é o cão mesmo. Aqui no interior, um táxi demora a chegar porque não temos a mesma logística na prestação do serviço. A solenidade do Dia da Literatura na qual participei no Plenário 13 de Maio foi comemorada com homenagens a escritores e pessoas que contribuem para o mundo das letras no Ceará. A data é celebrada oficialmente em 17 de novembro, dia do nascimento da escritora, romancista, cronista Rachel de Queiroz (1910-2003). O evento foi proposto pelo deputado Heitor Férrer e viabilizado pelo deputado Evandro Leitão. Férrer discursou sobre a importância das tradições orais que atravessam o tempo, como as histórias contadas pelos nossos avós que se transformam em registros e relembram os antepassados. “Essa noite memorável permanecerá indelével não apenas nos anais desta casa, mas no meu coração”, concluiu o parlamentar. Enquanto Lúcio Alcântara pulverizava palavras eloquentes à plateia, eu me emocionava com o fato daquele senhor se dirigir aos adversários com respeito, admiração e, sobretudo, reconhecendo em público a importância da oposição para o campo das ideias e o debate democrático. Por fim, quero deixar registradas aqui as palavras da empresária Terezinha Mourão, membro efetiva da Academia Ubajarense de Letras: “Agradeço ao deputado Heitor Férrer por ter nomeado para a homenagem do Dia da Literatura Cearense nossa amiga e acadêmica MONIQUE GOMES, autora do livro ‘A História Surpreendente de Uba e Jara’. É de suma importância que nossa academia, mesmo que embrionária, já esteja sendo palco de duas homenagens importantes da Assembleia Legislativa do nosso estado. Vamos manter a garra, a perseverança e a unidade da nossa academia para que possamos prosperar e carimbar cada vez mais a AULA na história Ubajarense”. Você sabia que o Ceará é pioneiro em desenvolver uma literatura irreverente, relativamente informal e sincrética? Tudo começou com a formação da Padaria Espiritual (século 19), um grupo formado por escritores, pintores e músicos que se dedicavam a editar um jornal intitulado O Pão — publicação repleta de humor, sagacidade e senso crítico. Por essas e outras, resolvi narrar este acontecimento com o gênero crônica. HOMENAGEADOS PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CEARÁSESSÃO SOLENE DIA DA LITERATURA CEARENSE21 de novembro de 2022