São José 314

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CRÔNICA

Por Melissa Vasconcelos

2/3/20255 min read

São José 314
São José 314

Meu corpo escreve em Ubajara; minha cabeça se sente em Guaratinguetá, cidade onde meu pai se formou na escola de especialistas da aeronáutica; cidade que marca a publicação de meu primeiro livro, guiado e acolhido por uma editora de Guaratinguetá.

Os tempos e as pessoas são cruzamentos que se encontram na linha de previsão, não fugindo daquilo que Deus prepara para cada um. E façamos de conta que escrevo esse texto em traslado, no ônibus São José 314, que guiava os alunos da escola de especialista do Rio a São Paulo.

Nesse caso, ligo-me de Ubajara aonde meu texto me levar. Na ciência, há uma área de estudo para cada coisa que alcança a mente humana: para os pensamentos, a psicologia. Para as leis, o direito. Para as palavras, o português. E assim, vários ramos foram criados para cada setor que o humano é capaz de alcançar. Bom, estamos aqui, leitor e escritora, em dias distintos:

Eu, no dia 15 de janeiro, na escrita de um novo texto para a revista virtual que até você, leitor, chega... sabe-se lá em qual dia, mês ou ano! Aqui, vemos mais uma criação humana, mais um estudo embasado pela ciência, a tecnologia.

Neste dia em que escrevo este texto que chega ao seu alcance, a previsão de tempo para os dias e meses seguintes é de chuva. E adivinha o próximo verso da prosa? A meteorologia, a ciência da atmosfera terrestre, da dinâmica, do estado físico e químico, as interações estudadas em cada partícula para desenhar a preparação ao tempo, faça chuva ou sol.

Eu, sem propriedade, posso falar da meteorologia com ignorância, e de meu pai com a certeza de sua sabedoria. Escrever me dá a vantagem de criar máquinas do tempo, eternizar dias que não foram meus e criar ventos imaginários.

Era o ano de 1989, quando um mucambense retirava-se de seu torrão e se enveredou, aos dezenove anos de idade, aos solos paulistas. Ali, fez morada em Guaratinguetá por exatos dois anos, dando início ao seu futuro profissional; e, na minha total imparcialidade de filha, acredito ter sido meu pai um dos mais competentes e inteligentes de sua área.

Porém, nem o mais inteligente do mundo possui o domínio de todas as áreas ou de seus respectivos conhecimentos. Por que? Porque existem mundos que não conhecemos, acontecimentos que fogem dos fatos, tudo aquilo que escapa da ciência; toda a ciência é ficção humana no pós contrato social, e até o próprio contrato social é posterior a alguma invenção humana.

Nossas mentes sempre foram imagéticas - aqui mora a civilização humana em sua completude. Mas... sempre existe o mais, o além, o que não podemos entender. Não conhecemos todas as palavras, não sabemos de todas as leis, não temos domínio sobre as pragas, epidemias e doenças que ainda surgirão, e há fenômenos que o ser humano não se torna capaz de explicar, por não ser o detentor da criação.

Somos a partícula da natureza, na falha tentativa de domar um território que, na verdade, não é nosso; uma vida, um inteiro desconhecido cego ao cérebro humano, que refugia e conforte seu coração em Deus para compreender aquilo que somente Ele é dotado das próximas páginas e dos capítulos seguintes, os direitos autorais de tudo que escapa do nosso entendimento está nas mãos do Altíssimo.

Por isso, ao prendermos nossos corações às invenções autorais, perdemos a caneta, o papel e as páginas anteriores já escritas. Do cético ao crente, nenhum livro se mantém vivo sem a proteção das origens, sem o curvar-se ao Pai, nenhum castelo interior prossegue seu alicerce sem o pavimento da construção.

No livro “Castelo Interior”, Santa Teresa de Jesus nos diz que, como almas resgatadas pelo Sangue de Cristo, devemos reconhecer a própria miséria e ter dó de nós mesmos, e que as almas sem oração são como um corpo paralítico, que, embora tenha pés e mãos, não pode comandá-los. Um corpo que não se comanda, não se conhece.

Uma cabeça que pensa sem o coração se perde, e um coração que sente sem o controle da cabeça, morre. Não é possível se conhecer sem deitar-se de onde se veio, sem seguir os passos Daquele que nos trouxe a vida. Acreditar nas próprias ideologias, enganar-se sobre a onipotência humana, criar um mundo onde há o eucentrismo derrubará qualquer um, independentemente de qualquer filosofia de vida, no começo ou no fim, mas não o destruirá.

E trago uma boa notícia: as derrubadas são provisórias como as séries de fundamental e os cursos de faculdade pelos quais passamos para domar os primeiros pensamentos científicos. A inteligência confunde derrubar com destruir: aquilo que se derruba em partes é remendado, como os pontos de uma cicatriz.

Aquilo que se destrói é recomeçado do zero, do princípio da matéria ou da imaterialidade. Muitas vezes, somos derrubados para que consigamos enxergar, lá embaixo, o que não conseguimos enxergar quando estamos no topo de nossos juízos e juízes: a Fé. Deus não nos destroi, nós derrubamos os nossos edifícios, desde o início, ao construirmos suas bases sem Fé, esquecendo de nossas origens, como um filho que abandona e rejeita seus pais, como uma mãe que abandona sua família por cegueira mental.

Então, não caia a chuva em todas as previsões de meu pai, por maior que fosse sua competência, pois nem tudo estava dentro de seu discernimento e controle, bem como não se chove todos os dias em que a previsão de tempo aponta chuva de segunda a sexta em Ubajara, nos tempos de solstício.

Entreguemos nossos trabalhos, textos, dias, corações e mentes aos Céus, pois em nenhum ônibus São José serão transmitidas de volta à base de quem se perde na própria arrogância. Sendo castelo, escola de especialistas, academias de letras, tribunais de justiça ou hospitais, baseamos nossas estruturas em Deus, esperamos Nele, pois Dele, que mora no coração de cada um, procedem as fontes da vida.

Qualquer São José 314 recai no meio do caminho sem fé; mas aquele São José 314 que, na estrada mais sinuosa, guardar seu coração e confiar em Deus, ainda que não enxergue a estrada e que por muito seja torturado, vencerá com doçura as curvas da vida.

Melissa Vasconcelos, 16 de janeiro de 2025. Texto exclusivo para a revista virtual da Academia Ubajarense de Letras e Artes.