Zé Preto, o dançarino do mercado público
Crônica a um amigo falecido.
CRÔNICA
Por Edmundo Macedo
3/9/20253 min read


Quase todos os dias, Zé Preto dava presença nas bodegas (mercearia) do Mercado Municipal de Ubajara. Homem simples, descontraído, olhos ligeiramente castanhos no rosto negro davam-lhe um charme raro. Contava e ouvia histórias valentes em defesa dos oprimidos.
Reclinado nos balcões das bodegas, conversava sobre o inverno, a seca e questionava os preços do café, feijão, milho, farinha, rapadura, gado leiteiro e para corte, plantio e colheita do CAROÁ (planta de fibras têxteis) lá pras bandas do Carrasco.
Entre um trago e outro de cachaça cajueiro do sítio dos Pereira, o assunto de maior atração, era o momento político. José Preto foi um fervoroso e fiel amigo, do Major Pergentino Costa, chefe político de liderança comprovada em toda a serra da Ibiapaba.
Este simpático homem vestia-se à capricho. Porte elegantérrimo, exibia feliz, camisas, calças, paletó e gravatas no mais alto estilo da época. Nos dias frientos, ostentava um capote preto (casaco comprido que fazia parte do uniforme militar), não esquecendo o chapéu-côco sobre os cabelos meio grisalhos.
Quando aparecia à rua 31 de Dezembro, rumo ao comércio local, seu andar firme parecia um príncipe indo ao encontro de uma princesa Muzunga de raça nobre. Gostava de jogar baralho com o seu grande amigo e protetor Major Pergentino Costa, sem dúvida um dos filhos de Ubajara merecedor de uma estátua na Avenida principal da cidade. Seu amor a Ubajara faz parte da história.
O carismático Zé Preto teve como vício e feitiço maior, a dança. Bailava todos os ritmos numa sintonia de passos e movimentos. Não perdia um SAMBA (nome dado às festas nos sítios àquela época).
Em salões enfeitada com papel crepom, bandeirolas e laços de fita, a festa não tinha hora certa para terminar. As latadas e terreiros de chão com barro batido ficavam apinhados de dançarinos. Das 8 da noite até madrugada Gonçalo Galvão, o "sanfoneiro" mandava som no baião, samba, forró, chote que rolavam soltos pelas quebradas da serra. G. Galvão e seus dois companheiros (um no pandeiro e outro no ganzã) não dispensavam a quente e saborosa Cajueiro. Haja fôlego para acompanhar os dedos ágeis e precisos nos botões niquelados da sanfona alaranjada do G. Galvão.
Cadê o tira-gosto? - gritavam panderista e ganzarista. De repente, surge o maior festeiso e dançarino daquelas paróquias, Zé Preto, todo sorridente, felicidade nos olhos, trazendo nas mãos uma bacia de ágata tamanho médio. Dentro dela, pedacinhos de avoantes chumbadas na véspera, bem torradinhas misturadas na farinha da Serra Grande. Peça um chote, Zé Preto! - pedia Carolina do Pitanga.
Num abrir e fechar dos olhos, o chote com G Galvão. Ninguém ficou sentado e nem de pé, todos no salão. A poeria subia rápida com cheiro de terra molhada. Os casais discretamente abraçados no vai-e-vem do chote, exclamavam à meia-voz: "É hoje, Manoel! É hoje, Antônia! Tá bom demais". Ao término da quintura do chote, uma pausa.
Palmas e vivas, formas de agradecer daquela gente humilde e bonita, espalhada na região de clima mais saudável do nosso Ceará.
Convivi com este homem honrado e estimado. Em certa ocasião, falou-me: Deixe que eu leia sua mão direita, meu jovem! Ao esticá-la na posição certa, vi que estava amarelada. Rápido pensei e concluí: foi a manga doce que comera na bodega da minha Tia Lúcia. De imediato, apresentei-lhe de novo as linhas da minha mão.
Zé Preto, bem calmo, revelou: Meu jovem Edmundo, irás viver um bocado. Nunca lute contra os indefesos; a luta será desigual. Fiquei em silêncio, baixei a cabeça, olhei o chão verde e senti emoção de viver mais um pouco. Os anos caminharam rápido, Um dia em São Paulo, soube que o romântico e simpático Zé Preto havia nos deixado apra sempre. Tenho absoluta certeza que ele está junto aos magos-advinhos em céu todo especial.
Zé Preto! Antes que termine este "recordar", escute este recado: "As dançarinas Pitanguenses, Pavunenses, Olindenses, Gameleirenses, Amazonenses e Itaperacimenses nascidas no município de Ubajara enviam-lhe de coração, eternas saudades. Até hoje sentem falta dos teus passos mágicos e estonteantes ao bailar o samba, o baião, o forró, a valsa e nosso puríssimo chote.
Zé Preto! Estou pertinho dos 70 e uns anos. Vivi um bocado; quero mais, adoro a vida. Tuas luzes.
Edmundo Macedo (in memoriam).
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