Precisamos de mais padeiros espirituais
Por Monique Gomes No fim do século XIX, o mundo estava passando por grandes transformações. Van Gogh pintava “A Noite Estrelada”, o cinema no Brasil dava os primeiros passos e vivíamos os impactos da recente proclamação da República. Enquanto isso, um grupo de jovens inquietos de Fortaleza, Ceará, decidiu fazer sua própria revolução, só que no campo das artes e da literatura. Assim nasceu a Padaria Espiritual, uma agremiação cultural que marcou a história do Ceará e do Brasil. Tudo começou em 1892, no Caffé Java, localizado na histórica Praça do Ferreira. Ali, escritores, desenhistas, pintores e músicos se reuniam para trocar ideias, compartilhar críticas e, acima de tudo, fomentar o gosto pela literatura. Era um tempo em que a capital cearense vivia um certo marasmo cultural, e os jovens membros da Padaria queriam agitar essa realidade com ideias inovadoras. Entre os fundadores estavam nomes como Antônio Sales, que teve papel fundamental na estruturação do grupo. A proposta da Padaria Espiritual era, antes de tudo, bem-humorada. Os membros adotaram uma identidade inspirada no universo das padarias: o presidente era o “Padeiro-mor”, os secretários eram os “forneiros” e os sócios eram “amassadores”. As reuniões eram chamadas de “fornadas”, e a sede do grupo ficou conhecida como “forno”. Mas, por trás dessa leveza, havia um forte compromisso com a arte e a literatura. O que os padeiros faziam além de “pão”? Os membros da Padaria Espiritual tinham uma postura provocativa e irreverente. Eles criticavam tanto a burguesia, que vivia alheia às artes, quanto os intelectuais que viam o progresso apenas como industrialização e modernização econômica. Para os padeiros, o avanço de uma sociedade passava também pelo florescimento da cultura. No começo, os encontros eram marcados por debates regados a bebida, fumo e muita conversa engraçada. Mas, com o tempo, a agremiação tomou um rumo mais sério, passando a produzir conteúdo literário e a incentivar a publicação de livros. O movimento também se tornou um espaço de experimentação artística, onde os participantes podiam exercitar a criatividade sem as amarras das convenções tradicionais. Isso fez da Padaria Espiritual um marco na história cultural do Ceará, influenciando gerações futuras de escritores e artistas. “O Pão”: a voz da Padaria Espiritual Para levar as ideias ao público, os padeiros criaram um jornal chamado “O Pão”. Com esse nome sugestivo, o impresso buscava “alimentar” o povo com literatura e arte. O periódico era publicado aos domingos e se tornou um sucesso em Fortaleza. O jornal trazia seções diversas e publicava poesias, contos e crônicas. Ao todo, foram lançadas 36 edições, que circularam até mesmo em outras partes do Brasil e em Portugal. Cada membro da Padaria tinha a responsabilidade de enviar exemplares para diferentes capitais brasileiras. O legado da Padaria Espiritual Embora tenha durado apenas alguns anos, a Padaria Espiritual deixou uma marca indiscutível na história cultural do Ceará. Seu modelo de associação literária inspirou outros grupos e influenciou o modo como a literatura e as artes passaram a ser vistas na região. Hoje, a história da Padaria Espiritual segue viva, com sua memória preservada em arquivos históricos e pesquisas acadêmicas. Seu espírito irreverente e sua paixão pela arte continuam a inspirar novos escritores e artistas cearenses.
Zé Preto, o dançarino do mercado público
Por Edmundo Macedo (in memoriam) Quase todos os dias, Zé Preto dava presença nas bodegas (mercearia) do Mercado Municipal de Ubajara. Homem simples, descontraído, olhos ligeiramente castanhos no rosto negro davam-lhe um charme raro. Contava e ouvia histórias valentes em defesa dos oprimidos. Reclinado nos balcões das bodegas, conversava sobre o inverno, a seca e questionava os preços do café, feijão, milho, farinha, rapadura, gado leiteiro e para corte, plantio e colheita do CAROÁ (planta de fibras têxteis) lá pras bandas do Carrasco. Entre um trago e outro de cachaça cajueiro do sítio dos Pereira, o assunto de maior atração, era o momento político. José Preto foi um fervoroso e fiel amigo, do Major Pergentino Costa, chefe político de liderança comprovada em toda a serra da Ibiapaba. Este simpático homem vestia-se à capricho. Porte elegantérrimo, exibia feliz, camisas, calças, paletó e gravatas no mais alto estilo da época. Nos dias frientos, ostentava um capote preto (casaco comprido que fazia parte do uniforme militar), não esquecendo o chapéu-côco sobre os cabelos meio grisalhos. Quando aparecia à rua 31 de Dezembro, rumo ao comércio local, seu andar firme parecia um príncipe indo ao encontro de uma princesa Muzunga de raça nobre. Gostava de jogar baralho com o seu grande amigo e protetor Major Pergentino Costa, sem dúvida um dos filhos de Ubajara merecedor de uma estátua na Avenida principal da cidade. Seu amor a Ubajara faz parte da história. O carismático Zé Preto teve como vício e feitiço maior, a dança. Bailava todos os ritmos numa sintonia de passos e movimentos. Não perdia um SAMBA (nome dado às festas nos sítios àquela época). Em salões enfeitada com papel crepom, bandeirolas e laços de fita, a festa não tinha hora certa para terminar. As latadas e terreiros de chão com barro batido ficavam apinhados de dançarinos. Das 8 da noite até madrugada Gonçalo Galvão, o “sanfoneiro” mandava som no baião, samba, forró, chote que rolavam soltos pelas quebradas da serra. G. Galvão e seus dois companheiros (um no pandeiro e outro no ganzã) não dispensavam a quente e saborosa Cajueiro. Haja fôlego para acompanhar os dedos ágeis e precisos nos botões niquelados da sanfona alaranjada do G. Galvão. Cadê o tira-gosto? – gritavam panderista e ganzarista. De repente, surge o maior festeiso e dançarino daquelas paróquias, Zé Preto, todo sorridente, felicidade nos olhos, trazendo nas mãos uma bacia de ágata tamanho médio. Dentro dela, pedacinhos de avoantes chumbadas na véspera, bem torradinhas misturadas na farinha da Serra Grande. Peça um chote, Zé Preto! – pedia Carolina do Pitanga. Num abrir e fechar dos olhos, o chote com G Galvão. Ninguém ficou sentado e nem de pé, todos no salão. A poeria subia rápida com cheiro de terra molhada. Os casais discretamente abraçados no vai-e-vem do chote, exclamavam à meia-voz: “É hoje, Manoel! É hoje, Antônia! Tá bom demais”. Ao término da quintura do chote, uma pausa. Palmas e vivas, formas de agradecer daquela gente humilde e bonita, espalhada na região de clima mais saudável do nosso Ceará. Convivi com este homem honrado e estimado. Em certa ocasião, falou-me: Deixe que eu leia sua mão direita, meu jovem! Ao esticá-la na posição certa, vi que estava amarelada. Rápido pensei e concluí: foi a manga doce que comera na bodega da minha Tia Lúcia. De imediato, apresentei-lhe de novo as linhas da minha mão. Zé Preto, bem calmo, revelou: Meu jovem Edmundo, irás viver um bocado. Nunca lute contra os indefesos; a luta será desigual. Fiquei em silêncio, baixei a cabeça, olhei o chão verde e senti emoção de viver mais um pouco. Os anos caminharam rápido, Um dia em São Paulo, soube que o romântico e simpático Zé Preto havia nos deixado apra sempre. Tenho absoluta certeza que ele está junto aos magos-advinhos em céu todo especial. Zé Preto! Antes que termine este “recordar”, escute este recado: “As dançarinas Pitanguenses, Pavunenses, Olindenses, Gameleirenses, Amazonenses e Itaperacimenses nascidas no município de Ubajara enviam-lhe de coração, eternas saudades. Até hoje sentem falta dos teus passos mágicos e estonteantes ao bailar o samba, o baião, o forró, a valsa e nosso puríssimo chote. Zé Preto! Estou pertinho dos 70 e uns anos. Vivi um bocado; quero mais, adoro a vida. Tuas luzes.
Conheça a história do sítio Matriz
Por Teresinha Araújo Moura O atual Município de Ubajara era habitado primitivamente pelos índios tabajaras. A primeira penetração foi feita por volta de 1604, por Pero Coelho de Souza, que tentou conquistar as terras férteis da serra de Ibiapaba. Auxiliado pelos jesuítas Francisco Pinto e Luís Figueira, promoveu a pacificação dos índios e o desenvolvimento das aldeias que começavam a proliferar às margens do arroio Árabê. A obra dos jesuítas foi interrompida, no entanto, com o trucidamento do padre Francisco Pinto, pelos índios tocarijus, durante uma cerimônia religiosa, no dia 11 de janeiro de 1608, no local onde hoje se ergue a cidade de Ubajara. Em 1877, acossadas pela seca e pela falta de viveres, as famílias de Bartolomeu Fernandes do Rego, Manuel Luis Pereira, Manuel Soares e Silva e Francisco Soares e Silva emigraram das zonas atingidas, instalando-se nos sítios Buriti, Pitanga e Pavuna. Quando a grande seca as atingiu, deslocaram-se para o lado sul de uma lagoa, denominada lagoa do jacaré, ali organizando um arruado que se chamou Jacaré, primitivo nome do Município. O núcleo foi se desenvolvendo, até que, em 1884, um incêndio o destruiu, obrigando os moradores a passarem para terras do lado oposto da lagoa. Em poucos meses reconstruíram o povoado. Em 1886 foi erguida a capela em honra de São José, em terras doadas pelos beneméritos cidadãos José Rufino Pereira, José Lopes Freire e Joaquim Mulato, em 26 de Janeiro de 1883. A capela de São José foi sagrada no ano seguinte pelo primeiro vigário, Padre Manoel Lima de Araújo, da freguesia de São Pedro de Ibiapina, a cuja jurisdição pertenceu durante muitos anos. O distrito de paz foi criado em 1890, com a denominação de Vila de Jacaré. Em 1915, por força da Lei 1.279, de 24 de Agosto, da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, conseguiu o Município autonomia administrativa, passando a denominar – se Ubajara. Hoje, com a população em torno de 35 mil habitantes foi agraciada com uma Casa de Show de alto nível – Castelo Clube – que oferece estrutura para a execução dos mais diversos tipos de eventos, desde Feiras, Congressos, Workshops, Shows Culturais e Festas Sociais (Casamentos, Bodas, Debutantes, Aniversários, etc.). Equipamento privado que veio enriquecer a infraestrutura de apoio ao desenvolvimento do turismo local e regional e ampliar e fortalecer o nosso calendário de eventos. Ubajara, que trabalha para consolidar os seus eventos tradicionais regionais como FEPAI – Feira de Produtos Artesanais e Industriais da Ibiapaba; a Exposição Agropecuária da Ibiapaba; Grandes Carnavais; Tradicional Reveillon, Festejo Junino; Paixão de Cristo; e a Semana do Município, além dos eventos esportivos e ligados à natureza, agora quer investir nos eventos de Congressos e Workshops. História do Sítio Matriz Sítio Matriz, sediado em Ubajara-CE, perfazendo uma área de 93he, sendo 55he de mata nativa, resquícios de Mata Atlântica, pertencente a família Aristides – homens e mulheres que estiveram a frente do seu tempo, sob a matrícula Nº 1617 de 21.05.17 do Cartório de Imóveis de Ubajara-CE – Nº na Receita Federal 5.126.861-2 e Nº no INCRA 147.060.003.395-6. O casal Joaquim Aristides dos Santos e Maria Soares Santos tiveram 10 filhos, sendo 05 homens e 05 mulheres, conseguiu formar 02 deles, um em medicina e o outro em Engenharia Civil, os demais homens assumiram a gestão dos negócios da família – agropecuária, e as mulheres, como era peculiar à época, direcionaram-se para as atividades domésticas, apenas uma delas adentrou para a vida religiosa – Ir. Carlota atuando em Recife, mais precisamente no Hospital Português, onde coordenou o centro cirúrgico, daquele hospital, por vários anos. Destaca-se especialmente o filho Valdemar Aristides dos Santos – que geriu os sítios situados na Serra, mais precisamente em Ubajara-CE e Francisco Aristides dos Santos – que geriu as fazendas situadas em Cariré e Tamboril, localizadas no semiárido cearense. Família regida por princípios éticos sólidos, pautada por uma amizade fraternal sem igual, mantiveram os bens em condomínio e todos se apoiavam na gestão, e todos participavam da lucratividade. Registrou-se a participação especial do engenheiro/construtor Dr. Ariolino Aristides dos Santos e Dr. Pedro Osvaldo Aristides dos Santos – médico, como também de Raimundo Aristides dos Santos – o homem de frente dos serviços – o operacional. Um fato curioso desta prole de 10 filhos foi que apenas 03 casaram-se – Valdemar Aristides com a sobrinha Antônia Mourão Santos – Suraia, Dr. Ariolino Aristides dos Santos, com Suraia Caram, uma mineira com descendência árabe e Maria Santos Mourão com um agropecuarista político de Nova Russas Gonçalo de Aquino Mourão, os demais viveram na solteirice. Fato curioso é o que não faltam nesta família, três deles – Seu Chico, Anízia e Abigail viveram mais de um século. Registra-se na 3ª geração a participação especial de Mouranízia Santos Mourão (Cariré) – a nossa tia Mourinha, que se dedicou especial aos ternos cuidados aos tios, e a gestão das fazendas do sertão, inovando no comércio, com a ajuda do seu sobrinho Joaquim Aristides Neto com as Lojas Caiçaras, em Cariré e Pacujá e em Ubajara com a Movelaria Popular. Nos áureos tempos da década de 50, mais precisamente no apogeu das culturas da cana-de-açúcar e café havia no Sítio Matriz uma locomotiva ao vapor, que gerava energia para alimentar todo um complexo, constituído de engenho de rapadura, serraria e máquina de pilagem de café. No engenho, fabricava-se rapadura, a qual era comercializada para o sertão, através de comboieiros e caminhões via Crateús. Já na serraria, preparavam-se madeiras destinadas à construção, tanto as de produção própria, como também terceiros, de quase toda a Ibiapaba traziam suas matérias-primas – a madeira, para ser beneficiada no Sítio Matriz, inclusive o madeiramento dos Patronatos de Viçosa do Ceará e Ubajara foi oriundo de lá. Com a máquina de pilagem de café, não foi diferente, tanto beneficiava o café de sua própria produção, como também beneficiava o café de outrem. Desta forma o Sítio Matriz foi destaque em toda a região Ibiapabana. Conforme o Livro de anotações da Prefeitura Municipal de Ubajara, denominado – Exploração
Casa Grande dos Salvinos: História, Herança e Resistência
Por Jonathan Ferreira Gomes Localizada no Sítio Paus Altos dos Salvinos, a então conhecida casa grande é resistente aos anos e às mudanças climáticas. Construída pelo senhor Miguel Ferreira Gomes (1885 – 1969), conhecido por Miguel Salvino, estimadamente na segunda década do século XX quando se casou com Josefa Rodrigues da Silva. O imóvel fica no terreno de 18 hectares que comprou do Senhor Manuel Narciso de Brito numa quantia de 500 mil réis que foi deixada como herança para a sua filha Anísia Ferreira Gomes. Conta com nove cômodos que abrigava todos os filhos e noras do senhor Miguel. O piso ainda se encontra em estado original. Há um sótão de madeira característico das casas antigas das primeiras décadas do século passado que servia como depósito de alimentos. A casa grande já foi símbolo de prosperidade: ao seu redor havia extensos canaviais e cafezais, além de um engenho e uma casa de farinha, onde se produzia os alimentos da família. Todos trabalhavam e ajudavam-se mutuamente. Nesse contexto, a família do Senhor Miguel Salvino foi uma das maiores produtoras de café, de farinha e dos demais derivados da cana de açúcar do século XX da cidade de Ubajara. Muitos moradores antigos da localidade se lembram até hoje das aulas de catecismo ministradas na casa grande pelas filhas do Miguel: a Anísia e a Francisca. Ao longo do tempo, a casa sofreu alterações, tais como o acréscimo de dois cômodos extras para acomodar seu filho Vicente Ferreira Gomes e sua esposa, na ocasião do casamento dos mesmos. Passou por mudanças em suas paredes para a instalação de energia elétrica. Já mais tarde foi residência de sua neta Maria das Graças Silva com sua família, seu marido e seus sete filhos. Atualmente a casa pertence ao neto do senhor Miguel, o senhor Francisco Ferreira Cunha, que a comprou de sua tia-avó Anísia. A casa grande atualmente encontra-se desabitada e tomada por morcegos. Suas paredes e pisos ainda continuam perfeitos, tendo sido feitas algumas intervenções em sua constituição como a colocação de portas adicionais e janelas por parte da Senhora Maria das Graças Silva. Não há uma manutenção diária dos cômodos, mas algumas telhas são repostas de vez em quando devido caírem com o tempo por conta de ventanias e chuvas fortes. As paredes sofreram algumas alterações sendo colocadas emendas de metal para amenizar algumas rachaduras que apareceram com o decorrer do tempo. Não há ocorrência de atos de vandalismo, como pichações ou depredação. Nesse contexto, a casa grande é a única que sobreviveu ao tempo ficando de pé para relembrar o passado longínquo dos seus antigos donos. Ela não pode ser substituída ou perder-se no esquecimento. Ela é única na comunidade Paus Altos dos Salvinos, sendo admirada e respeitada por todos os moradores que conhecem a sua história. REFERÊNCIAS: Arquivo Público do Estado do Ceará. Processo de Demarcação de Terras: Villa de Ubajara – Sítio Paus Altos: 1923-1924. Fortaleza – CE. Acesso em março de 2017. Inventário de partilhas de bens, 1970. Miguel Ferreira Gomes. Fórum Municipal de Ubajara. Acesso em abril de 2017. Relatos Orais dos moradores do Sítio Paus Altos: Edgar Cunha Silva, in memoriam (1922 – 2022); Expedito Ferreira Gomes; Francisco das Chagas Ferreira; e Maria das Graças Silva. Jonathan Ferreira Gomes é licenciado em Física pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2011); especialista em Metodologia de Ensino da Física pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (2013); e em Gestão Escolar pela Faculdade Futura (2021). É Mestre em Ensino de Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) do Campus Sobral (2022). Atualmente é professor de Física das escolas EEM Professora Rosa Martins Camelo Melo e EEM Monsenhor Melo do município de Ibiapina.
A importância da história local
Por Teresinha Araújo Moura, trecho da monografia apresentada à Coordenação do Curso de Licenciatura em História do Instituto de Teologia Aplicada – INTA. De acordo com Vieira, (1992, p. 122), a Serra de Ibiapaba, situada em meio a uma região de clima ao semi-árido nordestino e a noroeste do estado do Ceará, impressionam aos visitantes devido a sua beleza entre ambientes e lugares tão naturais. O tabuleiro da Ibiapaba ou conhecida mais popularmente como a Serra Grande é formada, geograficamente e politicamente, atualmente, se estende de um eixo montanhoso com início a 40 km do litoral e se avança 110 km em território cearense compreendendo as cidades de Carnaubal, Croatá, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará. Foi nesse meio natural deslumbrante considerada como um paraíso arrodeada de caatingas que veio a se formar um dos resguardos missionários da Companhia de Jesus no Brasil, que era além das missões do Paraná-Uruguai. Segundo a carta anual de 1696, firmada pelo padre Miguel Antunes, havia na região Norte, mais precisamente no Estado do Maranhão cerca de 11.000 almas que eram gerenciadas pelos jesuítas; na capitania de Pernambuco existia cerca de 6.700 índios, sendo que 4.000 estavam presentes nas aldeias da Serra Grande. (SERAFIM, 1945, p. 321). De acordo com Studart (1960, p. 53), esses dados numéricos auxiliam de certa forma a entender o empenho com que os missionários portugueses que foram designados para o Maranhão assimilaram a região, domínio não explorado ainda dos portugueses, no início do século XVII, mas que já havia despertado o interesse dos franceses para a formação da França Equinocial. Por esse motivo que os investimentos catequéticos contassem com o apoio de várias autoridades colonialistas para anexar por terra caminhos e comunicação entre o Estado do Maranhão e Grão-Pará ao Estado do Brasil. Em torno de toda a metade do século XVII, a capitania do Ceará e, notavelmente as Serras da Ibiapaba, representavam, em documentos produzidos, a uma fronteira que deveria ser incorporada sem exceção ao império português. Assim, alega-se o uso da figuração Serras de Ibiapaba para se atribuir a essa região a noroeste da capitania do Ceará fosse compreendida como uma região colonial, espaço social de interação histórica, com participação de diferentes agentes coloniais. Se a região possui uma localização espacial, este espaço já não se distingue tanto por suas características naturais, e sim por ser um espaço socialmente construído, da mesma forma que, se ela possui uma localização meramente temporal, este tempo não se distingue por sua localização meramente cronológica, e sim por um determinado tempo histórico, o tempo da relação colonial. Deste modo, a delimitação espaço-temporal de uma região existe enquanto materialização de limites dados a partir das relações que se estabelecem entre os agentes, isto é, a partir das relações sociais·. (MATTOS, 1990, p.24). Assim, a região colonial era produto da influência de uma política colonialista com objetivo agregar a região das Serras de Ibiapaba, em um pensamento de ampliação territorial como uma conquista do Império português. Logo, essa região colonial era mais um que simples meio produtivo, mas sim um conjunto de elementos essenciais tendo como causa de sua integração essas referências. As diversas configurações de organização dos grupos indígenas, compostas pelas políticas indigenistas por meio da aldeia, um ambiente que se constituía restritamente cristão, representou, uma das precauções da Coroa como meio de conservação de suas possessões, até a mais remota região que fosse. Na época existiam inconstantes que moldavam duas variáveis históricas; a aldeia e a vila e que refletiam as práticas estabelecidas aos índios e que também participaram, estruturando métodos que possibilitassem, de alguma forma, afirmasse-se uma atmosfera de exercícios de sua identidade, ainda que houvesse a circunstância de dominação. O sistema de ação catequética da Companhia de Jesus era desvirtuado com as iniciativas da Coroa, ou seja, a atuação missionária dos missionários constituía-se como uma parte dos princípios a de dominação. Por volta do século XVII, ocorreram três empreendimentos sem sucessos de aldeamento com os índios nas Serras de Ibiapaba. Primeiramente, com os padres Francisco Pinto e Luiz Figueira nos anos de 1607-1608, que, foram mandados devidos a ordens da Companhia de Jesus no Brasil, tendo como representantes Fernão Cardim e do governador geral do Brasil, Diogo Botelho, formularam a campanha missionária em sentido ao Meio-Norte colonial. O missionário explorado na lida catequética com os índios do Rio Grande, o padre Pinto, é capturado na memória jesuítica como precursor e criador das missões no Maranhão e que estabeleceu um padrão mantido pelos jesuítas nas investidas missionárias ao sertão colonial. O desfecho dessa campanha missionário culminou na morte violenta do padre Francisco Pinto em 1608 que foi morto a pauladas pelos índios Tarairiú. (STUDART, 1903, p 47). Segundo os estudos de Monteiro (1994, p. 129), as investidas jesuítas não pararam. No período de 1656 a 1662 houve a segunda tentativa, em os missionários estiveram entre os índios através do comando do padre Antônio Vieira que o responsável e visitador das missões maranhenses. Quando enfim o resguardo cristão foi estruturado nas Serras da Ibiapaba por meio do Antônio Vieira, a campanha denominou-se de São Francisco Xavier, provável homenagem a um dos idealizadores da Companhia. Atenta-se que esse momento foi propicio a muitas disputas na região do Estado do Maranhão, entre os jesuítas e os colonos e representantes do poder local que mantinham concentrada a mão-de-obra indígena. Assim, é possível se dizer que o fracasso dessa investida estava relacionado a todo um conjunto de conflitos que firmaram a presença jesuítica. A investida final dos inacianos de fixação de um reduto propagador cristão junto aos nativos deu-se em 1691, com o do padre Manuel Pedroso e seu companheiro, padre Ascenso Gago. No dia 15 de agosto de 1700, devido a uma consequência de uma reunião entre grupos indígenas e representantes importantes, foi instituída a Aldeia de Nossa Senhora da Assunção nas Serras da Ibiapaba, que ficou sob o comando dos missionários jesuítas até 1759, quando foram expulsos de todo o mando dos portugueses. Com comando laico
Pássaros e Plantas: Reflexões sobre Relacionamentos
Por Marcelo Miranda Os relacionamentos, assim como as interações entre pássaros e plantas, exigem um equilíbrio delicado entre liberdade, escolhas e cuidados. Esses elementos, quando bem administrados, criam um ambiente onde tanto as pessoas quanto as relações podem florescer. A Liberdade dos Pássaros Os pássaros representam a liberdade, com sua capacidade de voar e explorar o mundo. Eles são livres para buscar novos horizontes, mas sempre retornam aos lugares onde encontram segurança e conforto. Cuido do ambiente para que os pássaros, livres, tenham o desejo de voltar. Assim, vejo os relacionamentos como um espaço onde a liberdade deve ser valorizada. Em um relacionamento saudável, cada pessoa deve se sentir livre para ser quem é, sabendo que há um lugar seguro ao qual sempre pode retornar. A liberdade, nesse contexto, não é o oposto do compromisso, mas sim a confiança mútua que permite que ambos os parceiros cresçam e se desenvolvam. Tal como os pássaros que escolhem voltar a um lugar onde se sentem bem, as pessoas em um relacionamento retornam à conexão quando sabem que ela é nutrida pelo respeito e pela confiança. As Escolhas que Nutrem As plantas, com suas raízes profundas, representam as escolhas que fazemos diariamente. Cada decisão de nutrir e cuidar delas resulta em crescimento e florescimento. Regar as plantas, cada uma com sua necessidade diferente de quantidade de água, me lembra que tenho que regar o relacionamento diariamente. Assim como cada planta exige um cuidado único, cada relacionamento também precisa de uma atenção particular. É importante reconhecer que não existe uma fórmula única para todos os relacionamentos; cada um tem suas próprias necessidades e desafios. As escolhas que fazemos para apoiar, entender e cuidar do outro são os nutrientes que mantêm uma relação saudável e forte. O Cuidado Contínuo O cuidado é o que mantém a vida presente, tanto nas plantas quanto nos relacionamentos. Um jardim bem cuidado prospera e se torna um lugar de beleza e refúgio. Da mesma forma, um relacionamento bem cuidado floresce, trazendo alegria e realização para ambos os parceiros. Regar as plantas me lembra que, da mesma forma, precisamos regar nossos relacionamentos com atenção e dedicação. Cada gesto de carinho, cada conversa sincera e cada momento de apoio é uma gota d’água que ajuda a manter a conexão viva e forte. Pássaros e plantas nos ensinam muito sobre o equilíbrio necessário em um relacionamento. A liberdade de ser, as escolhas conscientes e o cuidado contínuo são essenciais para criar um vínculo forte e duradouro. Quando cuidamos do ambiente de nosso relacionamento, assim como cuidamos de um jardim, criamos um espaço onde o amor pode crescer e prosperar, e onde sempre haverá o desejo de voltar, como os pássaros que encontram segurança em um lugar familiar. Tento fazer disso um exercício diário!
São José 314
Por Melissa Vasconcelos Meu corpo escreve em Ubajara; minha cabeça se sente em Guaratinguetá, cidade onde meu pai se formou na escola de especialistas da aeronáutica; cidade que marca a publicação de meu primeiro livro, guiado e acolhido por uma editora de Guaratinguetá. Os tempos e as pessoas são cruzamentos que se encontram na linha de previsão, não fugindo daquilo que Deus prepara para cada um. E façamos de conta que escrevo esse texto em traslado, no ônibus São José 314, que guiava os alunos da escola de especialista do Rio a São Paulo. Nesse caso, ligo-me de Ubajara aonde meu texto me levar. Na ciência, há uma área de estudo para cada coisa que alcança a mente humana: para os pensamentos, a psicologia. Para as leis, o direito. Para as palavras, o português. E assim, vários ramos foram criados para cada setor que o humano é capaz de alcançar. Bom, estamos aqui, leitor e escritora, em dias distintos: Eu, no dia 15 de janeiro, na escrita de um novo texto para a revista virtual que até você, leitor, chega… sabe-se lá em qual dia, mês ou ano! Aqui, vemos mais uma criação humana, mais um estudo embasado pela ciência, a tecnologia. Neste dia em que escrevo este texto que chega ao seu alcance, a previsão de tempo para os dias e meses seguintes é de chuva. E adivinha o próximo verso da prosa? A meteorologia, a ciência da atmosfera terrestre, da dinâmica, do estado físico e químico, as interações estudadas em cada partícula para desenhar a preparação ao tempo, faça chuva ou sol. Eu, sem propriedade, posso falar da meteorologia com ignorância, e de meu pai com a certeza de sua sabedoria. Escrever me dá a vantagem de criar máquinas do tempo, eternizar dias que não foram meus e criar ventos imaginários. Era o ano de 1989, quando um mucambense retirava-se de seu torrão e se enveredou, aos dezenove anos de idade, aos solos paulistas. Ali, fez morada em Guaratinguetá por exatos dois anos, dando início ao seu futuro profissional; e, na minha total imparcialidade de filha, acredito ter sido meu pai um dos mais competentes e inteligentes de sua área. Porém, nem o mais inteligente do mundo possui o domínio de todas as áreas ou de seus respectivos conhecimentos. Por que? Porque existem mundos que não conhecemos, acontecimentos que fogem dos fatos, tudo aquilo que escapa da ciência; toda a ciência é ficção humana no pós contrato social, e até o próprio contrato social é posterior a alguma invenção humana. Nossas mentes sempre foram imagéticas – aqui mora a civilização humana em sua completude. Mas… sempre existe o mais, o além, o que não podemos entender. Não conhecemos todas as palavras, não sabemos de todas as leis, não temos domínio sobre as pragas, epidemias e doenças que ainda surgirão, e há fenômenos que o ser humano não se torna capaz de explicar, por não ser o detentor da criação. Somos a partícula da natureza, na falha tentativa de domar um território que, na verdade, não é nosso; uma vida, um inteiro desconhecido cego ao cérebro humano, que refugia e conforte seu coração em Deus para compreender aquilo que somente Ele é dotado das próximas páginas e dos capítulos seguintes, os direitos autorais de tudo que escapa do nosso entendimento está nas mãos do Altíssimo. Por isso, ao prendermos nossos corações às invenções autorais, perdemos a caneta, o papel e as páginas anteriores já escritas. Do cético ao crente, nenhum livro se mantém vivo sem a proteção das origens, sem o curvar-se ao Pai, nenhum castelo interior prossegue seu alicerce sem o pavimento da construção. No livro “Castelo Interior”, Santa Teresa de Jesus nos diz que, como almas resgatadas pelo Sangue de Cristo, devemos reconhecer a própria miséria e ter dó de nós mesmos, e que as almas sem oração são como um corpo paralítico, que, embora tenha pés e mãos, não pode comandá-los. Um corpo que não se comanda, não se conhece. Uma cabeça que pensa sem o coração se perde, e um coração que sente sem o controle da cabeça, morre. Não é possível se conhecer sem deitar-se de onde se veio, sem seguir os passos Daquele que nos trouxe a vida. Acreditar nas próprias ideologias, enganar-se sobre a onipotência humana, criar um mundo onde há o eucentrismo derrubará qualquer um, independentemente de qualquer filosofia de vida, no começo ou no fim, mas não o destruirá. E trago uma boa notícia: as derrubadas são provisórias como as séries de fundamental e os cursos de faculdade pelos quais passamos para domar os primeiros pensamentos científicos. A inteligência confunde derrubar com destruir: aquilo que se derruba em partes é remendado, como os pontos de uma cicatriz. Aquilo que se destrói é recomeçado do zero, do princípio da matéria ou da imaterialidade. Muitas vezes, somos derrubados para que consigamos enxergar, lá embaixo, o que não conseguimos enxergar quando estamos no topo de nossos juízos e juízes: a Fé. Deus não nos destroi, nós derrubamos os nossos edifícios, desde o início, ao construirmos suas bases sem Fé, esquecendo de nossas origens, como um filho que abandona e rejeita seus pais, como uma mãe que abandona sua família por cegueira mental. Então, não caia a chuva em todas as previsões de meu pai, por maior que fosse sua competência, pois nem tudo estava dentro de seu discernimento e controle, bem como não se chove todos os dias em que a previsão de tempo aponta chuva de segunda a sexta em Ubajara, nos tempos de solstício. Entreguemos nossos trabalhos, textos, dias, corações e mentes aos Céus, pois em nenhum ônibus São José serão transmitidas de volta à base de quem se perde na própria arrogância. Sendo castelo, escola de especialistas, academias de letras, tribunais de justiça ou hospitais, baseamos nossas estruturas em Deus, esperamos Nele, pois Dele, que mora no coração de cada um, procedem as fontes da vida. Qualquer São José 314 recai no meio do caminho sem fé; mas aquele
Conheça Luizita e sua turma na Gruta de Ubajara
Por Clara Leda Luizita e sua turma na Gruta de Ubajara é um livro infantil escrito pela acadêmica Clara Lêda. A escritora nasceu e viveu os 13 primeiros anos de vida em Ubajara, porém, já era sua manjedoura, seu castelo, seu melhor pedacinho do mundo, porque, nada que conheceu, até hoje, foi capaz de roubar o bem querer por sua terrinha. Costuma dizer que o coração do mundo pulsa em Ubajara. O título da história recebe o nome de uma das muitas amigas de infância com quem brincou de pular corda e de pedrinhas do sertão na calçada do Seu Zé Lopes; pega-pega ao redor da igreja e pela pracinha: Luizita. Ela, irmã de Ana Júlia, Meton, Joaquim, Rosa de Lourdes, Fátima, Natércia e, também amiga de Zeneida, Fátima Magalhães, Gorete, Virgínia, Augusta Maria… Naquele tempo, dias e noites tinham magia, eram encantados. É grata a Sá Mariquinha, a Sá Antônia pelas tantas histórias narradas. Ilustra citando a do dragão que lançava fogo pela boca para proteger uma princesa. Através delas recebeu rica contribuição: aprendeu a criar suas próprias histórias. Além da literatura infantil, Clara Lêda é poetisa, contista, cronista e romancista. Quer conhecer a história da Luizita e sua turma na Gruta de Ubajara? Envie um e-mail para claraleda@gmail.com
Carta do ubajarense José Maria Fernandes
Por José Maria Fernandes, 22 de janeiro de 2025 No momento em que recebo a grande distinção de ser homenageado pelos amigos da Academia Ubajarense de Letras e Artes de Ubajara, gostaria de fazer uma sucinta exposição de todas as escolas que funcionaram em Ubajara, a partir de 1910, ou seja, antes da conquista da autonomia do município, antes distrito de Ibiapina, que ocorreu a 24 de agosto de 1915, até 1960. A primeira escola pública da cidade foi construída em 1944, pelo governador-interventor Dr. Menezes Pimentel, e teve o título de Escolas Reunidas de Ubajara, cuja utilidade foi grande, inclusive para apresentações de teatro e cinema. Foi ali onde, o professor Edmundo Macedo encenou a peça “O Ébrio”, interpretada pelos irmãos Zequinha Souza e Maria Helena. Antes da modesta Escolas Reunidas, que virou residência, a escola particular mais famosa foi da professora Marocas Perdigão, a quem se deve a preparação de grandes intelectuais da cidade, a começar por Raimundo Magalhães Júnior, que chegou à Academia Brasileira de Letras. Ela preparou com total eficiência quase duas gerações de ubajarenses. É preciso fazer justiça a outro professor primário que prestou enormes benefícios à Educação, a uma cidade que apenas começava a se desenvolver. O respeitado e estimado professor Joaquim Furtado, que por mais de 30 anos manteve a sua inesquecível escola rural, iniciada no Sítio do Meio, e que resistiu até 1970, na localidade do Pitanga. Foi ele quem realizou o primeiro desfile cívico com seus alunos nas ruas de Ubajara, com cena de proclamação, Príncipe D. Pedro e tudo. Outra figura, “caída do Céu” dos Inhamuns foi o professor Francisco de Assis Feitosa, que foi definitivamente “adotado” pela cidade, sendo que da sua Escola Cesário Costa saíram incontáveis estudantes para escolas civis e militares da capital cearense e outras metrópoles. Foram 15 anos em que ele, com cultura e segurança, transformou alunos em oficiais das Forças Armadas, engenheiros, médicos, advogados e outras carreiras importantes. Outras Escolas foram criadas, antes que que pudéssemos contar com os cursos ginasial e de segundo grau. Em 1953, na tentativa de se criar um Ginásio, equiparado ao D. Pedro II – RJ, uniram-se jornalista Manuel Miranda, Padre Moacir, vigário da Paróquia, jornalista Ubatuba de Miranda, professor Hemetério e Eudes Menezes, criaram o Educandário Frederico Ozanam, que seria a semente do nascedouro do Colégio planejado. Mas, a ideia teve vida curta. Funcionou na Escolas Reunidas. Também Vale registar tentativa do Padre Moacir que, aproveitando a boa estrutura da Sede da Irmandade de São Vicente de Paula, tentou levar m frente uma pequena, mas, bem instalada Escola São Vicente que mesmo contando com a colaboração do professor Hemetério e a professora e artista Alaíde Holanda, não foi adiante, à falta de maior apoio e de recursos. Por ter sido testemunhe a partícipe de algumas escolas de Ubajara, decidi oferecer à Academia essa modesta contribuição, cujo objetivo maior e mais importante é o de ajudar a evitar que os esforços dos educadores do passado do passado de Ubajara no campo da Educação sejam atirados no rol do esquecimento. Muito tem sido feito recentemente, o que poderá ser melhor testemunhado por aqueles que vêm acompanhando de perto os notáveis avanços no campo da Educação e da Cultura na nossa terra, modesta, mas, motivo do nosso orgulho. Muita gratidão a todos os que lembram o meu nome como ubajarense homenageado, sempre disposto a mostrar todo o amor pela minha Ubajara.
Diário de um velho
Por Manoel Ferreira de Miranda, 02 de Agosto de 1951. Artigo cedido por Marcelo Miranda. Hoje, 02 de agosto de 1951, quando completo 65 anos de idade, dou começo a este diário. Se nada poderia eu dizer do passado, menos ainda terei que dizer daqui por diante, que o tempo e a vida que me resta, sei-o é bastante pouco, e muitos são os afazeres que tenho sobre os ombros. Antes, porém, de dar início a estas páginas anotando as impressões que tiver, e que o farei com toda sinceridade, pois, que aqui falarei de mim para mim mesmo, quero fazer um retrospecto sobre a minha vida pregressa. Nasci em Granja, a 02 de agosto de 1886, em pleno regime monárquico. Fiquei órfão de mãe aos dois anos, não tendo, portanto, a menor lembrança de minha mãe. É esse desgosto íntimo que me acompanha na vida. Meu pai, Antônio Ferreira de Miranda, contraiu segundas núpcias com a Sra. Joana Carneiro de Aguiar, filha do Sr. Raimundo Antunes de Aguiar e de D. Maria Carneiro Aguiar, passando então a residir no lugar de Canto Grande, propriedade do sogro, do município de Granja, distante duas léguas de Almas, abundante praia esta, em peixes. Neste lugar passei a minha primeira infância despreocupado e feliz, quando contava os meus 12 para 13 anos de idade. Lembro-me ainda, com saudades, das caçadas que ali fazia, de machado às costas, acompanhada por uma cachorrinha danada por preás, aliás a minha caça predileta. Eu era exímio caçador de abelhas. Nas minhas diárias excursões venatórias, conduzia sempre uma cabaça de gargalho atada à cintura, colhida do oco das umburanas. Certa vez cheguei a descobrir uma colmeia, da qual tirei a vasilha pela boca, simplesmente observando o rumo que tomavam as operárias, quando os pezinhos cheios de barro, alavam-se das poças dos caminhos. Fui ainda um grande pescador. Quantas e quantas vezes não trazia para o lar, bonitas cambada de peixes fisgados pelo meu anzol mágico! Quando as marés enchiam, naquele rio, cujas as nascentes vinham das Cabeceiras”lá estava eu lépido, à beira d ́água contemplando os graciosos cavalos-marinhos que enfronhados, subiam na corrente. Certa vez escapei de morrer numa dessas minhas pescarias. Debruçado à borda do rio, de linha amarrada a um dos pés, estava, cochila não cochila, quando senti-me fortemente arrastado para o leito do rio que, profundo, de águas revoltas, ameaçava tragar qualquer vivente. Felizmente, a linha partiu-se, quando já me encontrava com água pela cintura. Algum feroz habitante daquelas profundezas engolira meu anzol, com isca e tudo, levando o pedaço de cordão que procurara trinar mais consistente com sumo de folhas verdes de mangue. Conhecia bem o métier da pesca, acompanhando os velhos pescadores, pela noite a dentro, na tapagem das cambôas, no estender das redes quando era hora do preamar. Outra cousa em que era perito era no arrancar dos caranguejos dos buracos em que viviam, à sombra das viridentes florestas aquáticas. Sem temos algum passava querosene no rosto para evitar a picada dos mosquito, e, chapinhando na lama, atolando-se até os joelhos, lá se me botava por aquelas paragens inçadas de quaixinis, introduzindo aqui e ali o braço todo nos burados(sic) dos caranguejos, donde os arrastava, enormes, com as suas tesouras aguçadas, até encher o urú de palha de carnaúba. E os meus andares em busca das frutas silvestres? … No tempo dos cajús, longe de casa, nuns pés só de mim conhecidos, e que eram os que davam frutos mais doces e cheiroso(sic), que delícia! Na época dos muricis, cuidava bem de uns, colhendo-os, a fartar, por aquelas chapadas sem fim. Quando amadureciam as ubias e as maria-pretas, regalava-me bastante com elas. Não parava quase em casa. Minha vida era no mato fazendo fojos, procurando ovos de nambús. Meu pai que nesse tempo tinha negócios com José Firmo da Frota, de Granja, tipo de homem empreendedor e progressista, que, se não me engano, foi o primeiro a montar, naquela cidade, uma fábrica de descascador de algodão e fazer embarque de ossos para a França, comprou-me, certa vez, uma espingardinha passarinheira. Com esta arma abati muita avoante nos bebedouros, e muito periquito quando aos pares se beijavam nas moitas de mofumbo. Nunca me esqueço, porém, e ainda hoje sinto deste remorso, do momento em que imprensada e cruelmente descarreguei aquela arma sobre uma mimosa rolinha fógo pagou, que arrulhava ternamente junto ao filhote, num ninho construído com amor num galho de um marmeleiro, isto e o fato de quase ir matando um dia meu irmão Florentino, quando experimentava brincar o gatilho, fizera com que eu tomar tal aversão à lazánia, que nunca mais dela quis saber. Do Canto Grande onde passei os primeiros dias da adolescência, guardo saudosas lembranças. Não posso esquecer a velinha Maria Carneiro, sogra do meu pai. Tive nela a minha melhor amiga. Vi nela a imagem de uma verdadeira mãe. Era ela que me protegia, que reservava para mim os melhores quitutes. Ainda hoje, e já se vão 65 anos, tenho profunda saudade dessa santa criatura. Minhas correrias pelos amplos e planos salgados todas as tardes espantando os aratús que, céleres, metiam-se nos seus furos pela terra a dentro, são inesquecíveis! Ativo, gozando ótima saúde, respirando aqueles ares puros da floresta, banhado de sol, saturado de iodo pelas emanações de águas marinhas, embrenhava-me nas selvas escuras, armando fojes nas veredas dos preás, e as vezes, mergulhando na água quente dos poços, baldeando-a até embebedar as saúnas que ali haviam ficado na baixa das marés. Muitas vezes estendia-me no chão à sombra de uma árvore qualquer passando horas inteiras a contemplar as nuvens que, no alto, rápidas corriam. Tinha, então, um desejo doido de desvendar o mistério das cousas! Queria saber, conhecer algo. Foi quando se declarou a seca dos 900. A terrível catástrofe estalou, terrível, mas eu só tomei conhecipelo fato de ver a dificuldade com que se adquerida a própria água de beber. Tínhamos que ir busca-lá no lugar chamado Izidoro, distante de Canto Grande uma boa